Notas & Comentários – 12-01-2018

Brasília, 12 de janeiro de 2018
O Estado preparado para o fracasso: No Brasil, o Estado não oferece aos seus servidores meios de realmente, decididamente, entusiasticamente ajudar o desenvolvimento do país, salvo se decisões triviais puderem fazer alguma diferença ao longo do tempo. Mas se a única necessidade for de coisas triviais, não precisaria de servidor. Sistemas automatizados e páginas na Internet muitas vezes
bastam para o trivial.

Os órgãos de controle no Brasil são bichos-papões, castradores. Está claro que os órgãos de controle, mesmo munidos, quase sempre, das mais elevadas intenções, tendem a coagir os honestos, a acossar os justos, a inibir os inovadores. Os bandidos tendem a seguir impávidos.

O Fracasso da AGU: A AGU coordenava um grupo de trabalho há dois meses, para deslindar o emaranhado legal em torno da Oi. Apenas no próprio dia da Assembleia Geral de Credores conseguiu enviar uma opinião à Anatel, com impulsos um pouco contraditórios, mas que pedia, em última instância, à Agência que agisse considerando o interesse público. Ora, a Anatel tem enorme dificuldade em considerar o interesse público, como todas as agências, como todos os órgãos de Estado e de Governo, como as empresas estatais. Quando o interesse público coincide com o interesse de uma empresa privada, essa dificuldade torna-se enorme, e a agência empaca, muitas vezes.

Mesmo num caso como o da Oi, uma concessionária, uma empresa que, se deixar de prestar o serviço, o Estado teria de assumir, por lei, sua prestação, mesmo assim, com uma concessionária pela hora da morte, uma agência reguladora dificilmente tem como atuar pelo lado positivo. Facílimo intervir pelo lado negativo, facílimo aplicar mais multas, facílimo ameaçar com regulação mais dura; só um herói, talvez com vocação para um “martírio”, interviria pelo lado bom. Basta uma vírgula na lei, basta uma nuvenzinha, basta um ponto cinza, basta um talvez quem sabe, e o regulador não age. O regulador tem CPF, é responsabilizado pessoalmente: melhor não arriscar. Se puder não fazer nada, melhor; se tiver de fazer, que seja contra.

Perguntas sobre o GT da AGU: A AGU nunca imaginou que a Medida Provisória (MP) poderia não sair? Que a Fazenda poderia vetar a MP? A AGU só descobriu isso nas vésperas da Assembleia Geral de Credores (AGC), mesmo com todos os adiamentos? Como assim? Nenhum membro do Grupo de Trabalho se preocupou com isso? Ninguém checou? Nenhum double-check? Ninguém realmente se envolveu a fundo? A AGU achava que um acordo de boca com a Oi seria acatado pela Anatel? Que seria suficiente para que a Anatel apoiasse formalmente o Plano?

O Parecer da AGU: O Parecer da AGU tem 18 páginas. 15 delas – quase 85% – são dedicadas a tentar provar, exaustivamente, que os créditos decorrentes de aplicação de multas (créditos não tributários) não são como os créditos privados, não estão submetidos ao Plano de Recuperação Judicial, são indisponíveis, não podem ser objeto de negociação como um credor privado qualquer, que assim considera o STJ e dispõem a Lei de Execução Fiscal e o Código Tributário Nacional, etc. Em praticamente apenas uma página e meia, aborda o assunto no seu sentido concreto: se, por decisão judicial, os créditos públicos estiverem submetidos ao Plano, o que fazer? Segundo a AGU, deveria a Anatel se posicionar considerando o interesse público, “sopesando por critérios técnicos e de vantagem econômica o cenário que leve ao menor prejuízo aos interesses patrimoniais que a sujeição a participação ocasione”.

Um pequeno mérito do Parecer, mas insuficiente: Um ponto positivo inegável do Parecer foi ter, ao menos, concretizado um pouco o que seria o interesse público: para tanto, dever-se-ia levar em consideração um critério econômico, a vantajosidade econômica. Parecia indicar que a Anatel pudesse votar a favor do Plano ou se abster se ela verificasse, dada a situação concreta da submissão de seus créditos ao Plano, que uma posição contrária ao Plano deixaria seus créditos em pior situação, como, à primeira vista, acabou acontecendo. Mas nem mesmo essa posição da AGU, entretanto, foi suficiente para mudar o principal ingrediente de uma tomada de decisão pela maioria dos Conselheiros da Anatel: o risco real de responsabilização por estar negociando com os créditos públicos. E isso pelas razões que elencamos a seguir:

1) desproporção, não só de tamanho da manifestação, mas também de ênfase entre a defesa que se fez, no Parecer, da impossibilidade de submissão dos créditos públicos à RJ e a possibilidade de participação da Anatel nas Assembleias;

2) ausência de maior desenvolvimento jurídico do Parecer no ponto principal, qual seja, o da possibilidade de votação/participação da Anatel. Em qual lei se baseou a AGU para elaborar parecer permitindo isso? Citou doutrina? Jurisprudência? Outros pareceres? Nada. Por que elencou vantagem econômica como critério e não submissão à legalidade (que, na visão da AGU, impediria essa posição)?

3) timing: por que a AGU só deixou mais clara sua posição em cima da hora? Que ela achasse que conseguiria reverter a decisão, mas que também avaliasse sobre o que deveria fazer a Anatel caso a Procuradoria não conseguisse revertê-la. Esse timing não indica uma fragilidade, em especial se contrastado com as exaustivas manifestações anteriores da Procuradoria? Talvez tenha sido apenas uma opinião jurídica em face de um “fato consumado”?;

4) por fim, e esse um aspecto pouco comentado, a ausência de responsabilização do parecerista pelas consequências do ato adotado seguindo sua orientação. Em outras palavras: o Parecer não deixa de ser uma opinião legal, e quem assume a responsabilidade (de forma geral) pelos atos concretamente adotados são os gestores públicos, não os advogados públicos. É mais fácil ser parecerista do que ser gestor público: o ter seguido um Parecer pode até servir de atenuante, mas não exclui de todo a responsabilidade do gestor. Ora, sabendo de antemão que o que escreve não será objeto de censura formal dos órgãos de controle, o parecerista goza de maior liberdade do que o gestor que, ameaçado, vai querer interpretar restritivamente, em sua proteção, as opções a ele concedidas em um parecer.

O feito dos executivos da Oi: Após tomar conhecimento de que a Anatel, como esperado, e como – infelizmente – natural no Brasil, enredada nos laços dos órgãos de controle, não votaria a favor do Plano de RJ, nem sequer se absteria, o presidente da Oi, Eurico Teles, e seu VP financeiro, Carlos Brandão, trabalharam com extrema rapidez e eficiência, para ajustar o Plano de Recuperação Judicial para torná-lo capaz de ser aprovado pelos credores. Na realidade, ninguém poderia prever o que ocorreria: o fim do mundo podia estar ali, bem próximo, ao dobrar a esquina. A Oi entendeu como funciona a cabeça do servidor público, que tem de dar mostras de zelo pela coisa pública, ainda que suas ações acabem mesmo sujeitando o tesouro a uma perda possivelmente bem maior, conduzindo o usuário para um futuro bem mais incerto, e sujeitando o país a perturbações imensuráveis em seu sistema de telecomunicações.

A (quase) Unanimidade da Assembleia de Credores: Impressionante o trabalho dos executivos da Oi. Quem imaginaria que o Plano de RJ apresentado, e alterado no meio da Assembleia, angariaria um apoio beirando o apoio total, quase 100% da AGC, exceto pelo conspícuo voto contra da Anatel?

A Unanimidade do Conselho Diretor (CD) da Anatel: Todos conheciam a posição divergente dos conselheiros; por isso, era claro que haveria dissenso no encaminhamento da questão, o que é absolutamente normal. É muito difícil haver consenso diante do abismo, independentemente de sua profundidade. Havia uma avaliação de que a Anatel poderia votar, na sua maioria, pela abstenção. Aparentemente, um conselheiro teria chegado a apresentar por escrito essa proposta. Pode ser que, ao final, com um voto migrando de lado, o placar tenha se invertido.

Não podemos estranhar o voto do CD. Não há nenhuma surpresa nele. Havia uma certa brecha para o voto pela abstenção, diante do parecer extemporâneo da AGU, mas o olhar severo dos órgãos de controle estava, como sempre, sobre os conselheiros. E o olhar do Ministério Público, e muitos outros olhares que metem medo. Todos os olhares que obstruem o caminho do melhor interesse público estavam sobre o CD.

No entanto, teria sido melhor, mais transparente, que a visão dissidente dos conselheiros viesse à tona. Ao final, todos sabem (o segredo desapareceu na era digital), mas a Anatel deveria ser a primeira a divulgar. Dissenso não é um mal, mas um elemento fundamental, ainda que corriqueiro, da democracia.

A Anatel explicando melhor: Em 26/12/17, o Valor publicou uma matéria importante. Pela primeira vez nas últimas semanas, surgiu uma voz positiva da Anatel nesse processo da Oi, expressa pelo seu presidente. Imaginávamos que assim era, que a Anatel gostaria que a Oi saísse bem da RJ, mas a imprensa só mostrava uma Anatel carrancuda, uma Anatel sem nenhuma palavra de conforto, de esperança; uma Anatel sem dar o Norte, a direção da saída; uma Anatel diligente em brigar, expedita e insistente em avisar que ia recorrer da decisão da Assembleia, como se estivesse com raiva do tremendo sucesso da Assembleia. Agora, a imprensa publicou o novo tom da Anatel, o tom do responsável pela concessão e pelo destino da concessionária. Essa é a Anatel. Essa é a Anatel que deveria ser.