Notas & Comentários – 02-12-2022

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O PL 2768/2022 – visão geral: No Brasil, foi apresentado recentemente o PL João Maia (PL 2768/2022), com a pretensão de organizar o funcionamento e a operação das plataformas digitais que oferecem serviços ao público brasileiro. Por esse PL, a competência para regular a empreitada seria da Anatel, a quem caberia expedir normas quanto à operação das plataformas digitais que oferecem serviços ao público brasileiro, fiscalizando e aplicando sanções. É iniciativa muito bem-vinda, diante de várias práticas ilícitas e de abuso de poder, econômico e outros, por parte das plataformas, que usam seu domínio de mercado erigindo barreiras de entrada, desestimulando a inovação, promovendo a autopreferência, a discriminação indevida, e criando desincentivos os mais variados à competição e ao fluxo de informação lícita.

Embora o chamado PL das Fake News (PL 2630/2020) também incorpore uma tentativa de regulação das principais plataformas, ele o faz de maneira muito limitada. Já este PL 2768/2022 pode ser considerado uma primeira tentativa mais abrangente e sistêmica de regular as principais atividades das grandes plataformas.

O PL 2768/2022 – competência para regular: A proposta dá competência à Anatel para regular e fiscalizar, inclusive com a possibilidade de aplicação de sanções como advertência, com indicação de prazo para adoção de medidas corretivas, multa de até 2% do faturamento do grupo econômico no Brasil no seu último exercício, obrigações de fazer ou não fazer, ou mesmo apossibilidade de impor penalidades de suspensão temporária dasatividades ou a proibição de exercício das atividades. As sanções são inspiradas no Marco Civil da Internet – MCI e na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD.

Um ponto positivo, a nosso ver, é a atribuição à Anatel da competência de regular e fiscalizar as plataformas, já que, embora as plataformas atuem nos mais diversos setores, inexiste outra agência independente no Brasil cujo espaço de competência esteja tão próximo e que possua sinergias tão evidentes quanto a Anatel. De fato, a agência atua em setor de alta dinâmica tecnológica, com tradição regulatória, experiência em lidar com direitos consumeristas, afeita a questões que envolvem a infraestrutura da internet e os serviços de valor adicionado relacionados às Teles, acostumada a enfrentar temas atinentes à concorrência, etc.

Teria de ser, claro, uma nova Anatel, refeita, adaptada a esse novo mundo. Mundo esse que já foi, inclusive, bem delineado nos estudos para o novo planejamento estratégico da Anatel.

É previsível, contudo, que haja resistência por parte das plataformas em submeter seu “funcionamento” e “operação” à Anatel, como quero PL João Maia. No debate público da Internet e suas adjacências, costumou-se relegar à Anatel papeis secundários, privilegiando oCGI.br ou a ANPD quando o assunto envolvia provedores de aplicações. Uma solução sub-ótima, cremos. Um pequeno argumento contrário à competência da Anatel seria o de que, no âmbito da União Europeia, a competência do Digital Markets Act –DMA ficou com a Comissão Europeia e não com as agências de telecomunicações dos países-membros.

Quem deve ser a autoridade reguladora do PL João Maia? Já um exemplo que milita a favor da competência da Anatel vem da Alemanha, no âmbito do Digital Services Act – DAS, que visa regular plataformas de e-commerce, especialmente em relação a conteúdos ilegais, regras de transparência e desinformação.

Segundo as regras do DSA, ou a futura autoridade reguladora pode ser uma nova entidade, criada do zero, ou podem-se atribuir novas competências a uma entidade já existente. Na Alemanha, os dois mais fortes candidatos a serem a autoridade reguladora são: (i) os Landesmedienanstalten, autoridades já hoje competentes para regular a mídia tradicional, como TV e rádio (embora tenham competência apenas local nos respectivos Länders); e (ii) o Bundesnetzagentur, Agência de Redes Federais, que é a autoridade independente para regular os setores de eletricidade, gás, telecomunicações, correios e ferrovias.

Daí, não é difícil admitir que a Anatel seria um regulador natural das plataformas no Brasil. De toda forma, Importante acompanhar o desenrolar do caso alemão e tirar lições pertinentes para o Brasil.

As Críticas que serão feitas: As críticas ao PL João Maia certamente atacarão a amplitude das competências criadas para a Anatel e a falta de expertise técnica da agência para lidar com essa multiplicidade de mercados econômicos. Se assim, esses críticos subestimariam a Anatel. Por um lado, nunca se viram seus reguladores temerosos de assumir novos e mais amplos desafios. Por outro, a Anatel, por sua história, sempre mostrou tremenda capacidade técnica e engenhosidade surpreendente para enfrentar novos desafios e resolvê-los com sucesso.

Porém, dir-se-á, qual o conhecimento técnico da Anatel para lidar com plataformas de intermediação online, como Mercado Livre e Amazon? O que a agência de telecomunicações sabe sobre ferramentas de busca online, redes sociais e os respectivos mercados de publicidade? Ou sobre plataformas de compartilhamento de vídeo, como YouTube e TikTok? Qual o conhecimento da agência para esmiuçar o mercado de sistemas operacionais? O que a Anatel teria a contribuir para os mercados de serviços de computação em nuvem, nas suas várias vertentes, como Infrastructure as a Service, Platform as a Service ou Software as a Service?

Ora, adaptar-se a esse novo mundo não é desafio maior do que foi sair do monopólio estatal das telecomunicações e regular a competição – algo feito, grosso modo, pelas mesmas pessoas: a borboleta da competição saiu do casulo do monopólio…

Talvez escapassem mais facilmente às críticas a proposta de regulação pela Anatel sobre os serviços de comunicações interpessoais, como Whatsapp, Telegram ou Signal, já que seria possível justificar a atuação da agência com base em analogia com os serviços de mensagem e de voz da telefonia móvel e fixa. Bem, essa adaptação, a Anatel tira de letra.