Notas & Comentários – 27-01-2023

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Johannes Gutenberg e Cristóvão Colombo: Este descobriu um novo mundo – a América; aquele inventou um mundo novo – o Livro impresso. O nome dos dois parecia oráculo. Um se chamava Johannes, o precursor, como São João Batista; o outro, era Christoforo, o transportador de Cristo, como São Cristóvão. Os dois viveram naquele século XV fervilhante. Quem resumiu isso foi Castro Alves, em versos grandiloquentes:

Por uma fatalidade,

Dessas que descem do além,

O século, que viu Colombo,

Viu Gutenberg também.

Que século, o XV. Os italianos inventaram a beleza, a beleza tocante, um novo padrão de beleza, que é o nosso até hoje. Ninguém escolheria como companheira as Demoiselles d’Avignon de Picasso; mas todos ficam encantados com a Primavera, a mulher pintada por Boticelli em 1480. Os italianos, também por essa época, disseminaram a paixão pelo conhecimento, que molda nossa civilização até hoje. E eram grandes navegadores: Colombo era italiano; Américo Vespúcio era italiano; os Caboto eram italianos. E escreviam sobre suas viagens: até mesmo o Diário da primeira viagem de circunavegação da terra de Fernão de Magalhães (e Sebastião del Cano) foi escrito por um italiano: Antonio Pigafetta.

Gutenberg criou os tipos móveis de metal com punções, a fôrma para a composição deles, a prensa para imprimir, e escolheu o papel e a tinta convenientes para impressão (diferentes, ambos, dos utilizados nos livros manuscritos), e a letra (a fonte) gótica – um conjunto de criações que custou muita reflexão, muito suor e muito dinheiro, e tudo absolutamente decisivo para o triunfo do Livro.

Imitação e aperfeiçoamento: Logo, muitos países aprenderam como chegar na América, e entenderam o potencial do Novo Continente. Há mais de 100 anos, na América está o país mais rico e poderoso do mundo. Pelo menos por enquanto.

Para imprimir sua belíssima e famosíssima Bíblia, Gutenberg levou anos buscando a perfeição. Tinha que ser algo que as pessoas comprassem – principalmente pessoas da Igreja e da Nobreza –, ou seja, tinha de ser belo, agradável, legível, como nos espetaculares Livros de Horas medievais. Coisa desafiadora. Por isso, nem tudo foi impresso, na Bíblia de Gutenberg: algumas letras Iniciais foram desenhadas uma a uma, à mão, e as margens adornadas com folhagens, animais e referências sacras, como nos Livros de Horas.

A imprensa com tipos móveis era algo muito grandioso. Aos poucos os próprios empregados e artesãos de Gutenberg saíram e foram se espalhando pelo Velho Continente. Primeiro, na própria Alemanha; depois, no resto da Europa, mas, principalmente, na Itália. Sempre, porém, eram alemães que, nesse início, levavam a arte e o know-how da imprensa. É claro que a Itália, berço do Renascimento, criadora do belo, sequiosa de conhecimento e erudição, a Itália inventou uma fonte (tipo de letra) espetacular e facilmente legível: o romano.

O refinamento e o prazer da erudição: Enquanto, na França, mesmo a nobreza ainda comia com os dedos, os italianos já usavam o garfo. Foi Catarina de Medicis que, indo à França para casar-se com Henrique II, filho de Francisco I, levou uns garfos (de prata com vermeille) em sua bagagem, para espanto da nobreza franca, – pour épater la noblesse
Levou, porém, mais uns 50 anos para que Henrique III, filho de Catarina de Medicis, realmente promovesse a disseminação do uso de talheres na França. Mas, diz-se, Luís XIV, posto que Roi Soleil, ainda comia com os dedos. Esse barbarismo não é totalmente de espantar, pois consta, também, que Luís XIV só tomou dois banhos em toda sua vida, pela crença da época de que a água era veículo de transmissão de doenças…

O certo é que somente no séc. XIX o hábito de comer com talheres se estabeleceu de vez na França. Ou seja, a França dita hoje as boas maneiras ao mundo, mas ontem, na época de Gutenberg e Colombo, comia com os dedos. Fato é que a França foi, durante séculos, o país mais populoso e mais rico da Europa; perdia muitas batalhas e guerras, mas sempre impunha respeito, pela riqueza. Porém, quem impunha respeito pelo culto do belo e pela beleza da cultura era a Itália.

A riqueza e o refinamento do bom gosto: É claro que a riqueza estimula o bom gosto, mas não basta. O processo pode ser lento. A França era muitíssimo mais rica do que Florença, mas, em termos de concepção estética e cultural, encontrava-se muito atrás.

O mesmo se pode dizer da Alemanha, muito rica, apesar da dispersão dos estados que se justapunham, mas também sem refinamento. A invenção da Imprensa com tipos móveis colocou a Alemanha, que pouca criatividade mostrara até então, na vanguarda da Era da Comunicação de Massa. O livro ficou sendo impresso, até o séc. XIX, mais ou menos como Gutenberg imprimia. A potência da máquina a vapor começou a alterar as coisas. De toda forma, essa era, marcada pelo livro impresso em papel, dominou e moldou a civilização ocidental até a chegada da Internet. Na verdade, a Era do Livro começou a se desvanecer com o Rádio, a Televisão, mas foi a Internet que, tragicamente, tornou o livro algo quase insignificante.