Caros,
Em razão dos recentes ataques a escolas no Brasil, o Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio da Senacon, publicou a portaria Nº 351/2023 para combater “conteúdos ilícitos, danosos e nocivos, referentes a conteúdos que incentivem ataques contra ambiente escolar ou façam apologia e incitação a esses crimes ou a seus perpetradores”.
É surpreendente que o Poder Executivo estabeleça, numa mera Portaria, sem uma precisão maior, o que pode ou não pode ser divulgado. Ainda que a intenção alegada seja boa.
A gente começa a ler a Portaria com uma certa boa vontade, pensando nas criancinhas das escolas. Muitos considerandos são largamente corretos. Mas… Logo vem o Art. 1º, que busca a “prevenção à disseminação de conteúdos flagrantemente ilícitos, prejudiciais ou danosos por plataformas de redes sociais, e dá outras providências”. Bem, o Art. 1º é… qualquer coisa. É tudo. Nem fala em escola. É tão vago que é tudo.
A Portaria não regula uma lei específica. A Portaria é a lei.
A boa intenção não vale a desorganização do nosso pobre arcabouço legal. A lentidão dos processos legais não pode justificar que a lei seja feita numa portaria. Nem mesmo uma Medida Provisória, sobre a qual os parlamentares pudessem opinar?
A Portaria não pode ser a lei.
Portaria do MJSP e Livre Expressão: Em razão dos recentes ataques a escolas no Brasil, o Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio da Senacon, publicou portaria para combater “conteúdos ilícitos, danosos e nocivos, referentes a conteúdos que incentivem ataques contra ambiente escolar ou façam apologia e incitação a esses crimes ou a seus perpetradores”.
Entre outras, as redes sociais deverão adotar medidas proativas para limitar a propagação desses conteúdos, atender requisições das autoridades competentes a eles relacionados e desenvolver protocolos para situações de crise. Tudo muito subjetivo, aberto, sem detalhamentos.
As redes sociais, segundo a portaria, devem monitorar e tomar medidas de mitigação relativas a esse risco sistêmico que envolve o acesso de crianças a esses conteúdos ilícitos, danosos e nocivos. Ações como a vedação à criação de novos perfis para quem já tenha propagado esse tipo de conteúdo e o estabelecimento de um banco de dados de conteúdos ilegais estão entre as obrigações das redes sociais.
Inovação no campo do direito fundamental: Isso não é pouca coisa e não devemos achar que se trata de algo trivial.
É a primeira vez na história em que um ato do Poder Executivo estabelece, sem uma precisão maior, o que pode ou não pode ser divulgado. Uma mera Portaria. Um instrumento de um ministro, cargo não eletivo. Ainda que a intenção alegada seja boa.
Há dois ditos populares que vêm à mente: ‘o inferno está cheio de pessoas bem-intencionadas’; e ‘o diabo mora nos detalhes’. Ainda que, a bem da verdade, o problema da Portaria é que ela não entra em detalhes, mas permite às ameaças pairarem no ar, genericamente. Ou seja, neste caso, ‘o diabo mora nas generalidades’. Pior, temos de admitir, o diabo mora em qualquer lugar.
A generalidade do Art. 1º: A gente começa a ler a Portaria com uma certa boa vontade, pensando nas criancinhas das escolas. Mas…
Mas o Art. 1º é muito amplo:
Art. 1º Esta Portaria dispõe sobre medidas administrativas a serem adotadas no âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública, para fins de prevenção à disseminação de conteúdos flagrantemente ilícitos, prejudiciais ou danosos por plataformas de redes sociais, e dá outras providências.
O Art. 1º, então, busca a “prevenção à disseminação de conteúdos flagrantemente ilícitos, prejudiciais ou danosos por plataformas de redes sociais, e dá outras providências”. Bem, o Art. 1º é… qualquer coisa. Tudo. Nem fala em escola. É tão vago que é tudo.
Atender requisições das autoridades: A Portaria não regula uma lei específica. A Portaria é a lei.
Certo, a coisa é urgente. O Futuro está em nossas escolas. Mas isso não dá direito a desorganizar nosso sistema legal de forma tão abrangente.
Sim, é para o bem, mas… Como vai ser esse “atender requisições das autoridades competentes”? A autoridade vai ter de justificar por que quer algo? Detalhar como quer a explicação? Ou só irá determinar e pronto? A Mídia Social pode contra-argumentar? No âmbito jurídico, em geral as autoridades administrativas fazem solicitações e o Poder Judiciário faz requisições. A regra comum é que a determinação administrativa só ganha ares de requisição quando há previsão legal disso (caso das Agências Reguladoras) ou no caso de urgência, quando há possibilidade concreta de prejuízo irreparável se não houver atuação imediata do administrador.
O precedente americano, pelo que se sabe (se é que se sabe tudo) é bem ruim: nos EUA, os serviços de segurança (NSA, FBI, CIA, etc.) diziam às Big Techs, em comunicações reservadas, o que deviam deixar publicar, quem devia ser suspenso, etc., em nome da segurança nacional. Um escândalo que as próprias empresas não parecem muito interessadas em divulgar.
Os outros e … o Estado? O Estado, na Portaria, atacou ferozmente os outros, os bandidos que usam as redes digitais para desassossego da sociedade. Mas, o que fez, no que lhe toca e é sua competência por excelência? Determinou, p. ex., que pelo menos um policial fique postado em casa escola?
Se o Estado sabe de onde vem a ameaça (todo mundo parece saber), não deveria agir sobre ela? Resolver o problema na raiz? Ou não sabe?