Notas & Comentários – 19-04-2024

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Produções acadêmicas: Niall Ferguson ficou, digamos, estupefato com a atitude da Academia americana, que apoiou o ataque terrorista do 7 de Outubro já no dia seguinte, quando ainda não havia reação. Ferguson começou a fazer um paralelo entre o comportamento das duas Academias: “A Academia alemã não apenas seguiu Hitler no caminho do inferno. A Academia abriu o caminho do inferno”.

“O SS Oberführer Konrad Meyer, professor de agronomia na Universidade de Berlim, foi um dos especialistas que ajudou a elaborar o “Plano Geral Leste” (Generalplan Ost) de Himmler que, na expectativa de vitória sobre a União Soviética, assentaria, lá, cerca de 5 milhões de colonos alemães. O destino dos povos que ali viviam era a aniquilação ou a limpeza étnica”.

Atitudes: Ferguson lembra que “Qualquer pessoa que tenha uma crença ingênua no poder do ensino superior para incutir valores éticos não estudou a história das universidades alemãs no Terceiro Reich”. “Um diploma universitário, longe de imunizar os alemães contra o nazismo, tornou-os mais propensos a adotá-lo”.

O declínio das universidades alemãs foi personificada pela prontidão de Martin Heidegger, considerado o maior filósofo alemão da sua geração, em aderir ao movimento nazista, com um distintivo de suástica na lapela. Ele foi membro do Partido Nazista de 1933 a 1945”. (Heidegger se tornou reitor da Universidade de Freiburg em 1933, quando se inscreveu no Partido Nazista.)

O historiador Friedrich Meinecke tentou explicar “a catástrofe alemã” pelo excesso de atenção a coisas técnicas, foco exagerado em matérias especializadas, perdendo visão de contexto, esquecendo os valores humanísticos de Goethe e Schiller. Assim, não conseguiram resistir ao “maquiavelismo em massa de Hitler”.

Thomas Mann, Prêmio Nobel de Literatura, que escolheu o exílio em vez da cumplicidade, foi invulgar ao reconhecer, mesmo naquela época, que a elite educada alemã se entregara a Hitler.

Eficiência e Ética: Dwight Waldo, que escreveu sua tese de doutorado no pós 2ª Guerra, descreve nela, com bastante precisão, o estado de coisas nas universidade alemãs desde o final do século XIX até a eclosão da 2ª Guerra.

O positivismo filosófico, amputado da moral, direcionava os esforços acadêmicos, tanto do Estado como da iniciativa privada, para o paradigma da eficiência. A eficiência funciona bem como método, quando guiada por uma bússola moral. Despida dela, é uma força formidável para a catástrofe. Os próprios universitários americanos, cujo modelo no início do século XX eram as universidade alemãs, questionavam a eficiência da democracia e propunham técnicas para moldá-la para um modelo de efficient citizenship, em que o cidadão especializado desempenharia bem a função que lhe cabia na engrenagem mecânica da máquina estatal ou privada.

Muitos acadêmicos americanos viram com terror a eficiência da máquina de guerra alemã a partir de 1914, que, apesar de derrotada, teria, digamos, patenteado a fragilidade da cultura, da desorganização administrativa e da dispersão dos bens de produção inerentes à democracia dos Estados Unidos.

Diante dessa constatação, o próprio Estado deveria despir-se da política, da democracia, para adotar a visão fordiana da massificação da produção e tayloriana da maior redução de custos possível. O problema é que sem o ethos democrático, lembrou Waldo, o império da técnica amoral, ancorado num cientificismo exagerado, carece de limites.

A história se repetindo? Ferguson se espanta com a falta de visão das universidades americanas atuais. Na Alemanha, o que eram apenas palavras nas músicas, nas monografias, nos artigos e nas teses universitárias, foi evoluindo rapidamente e desaguou em assassinato em massa. É necessário prestar atenção. Ou será que muitos percebem e se calam?

“A lição da história alemã para a academia americana já deveria estar clara. Na Alemanha, para usar a linguagem legalista de 2023, “o discurso tornou-se conduta”. “A ‘solução final da questão judaica’ começou como um discurso – para ser mais preciso, começou como palestras, monografias e artigos acadêmicos. Primeiro foram aquelas canções das fraternidades estudantis. Contudo, com uma velocidade extraordinária, depois de 1933, transformou-se em conduta: primeiro, discriminação pseudo-legal sistemática e, em última análise, num programa de genocídio tecnocrático”.

Ferguson: “O Holocausto continua a ser um crime histórico excepcional – distinto de outros atos de violência letal organizada e dirigidos contra minorias – precisamente porque foi perpetrado por um Estado-nação altamente sofisticado que tinha dentro das suas fronteiras as melhores universidades do mundo. É por isso que as universidades americanas não podem considerar o antissemitismo apenas como ‘mais uma expressão de ódio’ […]”.

Ao lado, uma estudante na Universidade de Marburg, 1935 (Getty Images).

Admitir o ódio racial enquanto ele não mata é, pois, arriscado. Foi essa tolerância que levou ao Holocausto. É importante considerar os sinais da história, os quais podem se repetir, não apenas como farsa, mas como novo genocídio.

Uma reação contra a presente atitude dos intelectuais (traição, no dizer de Ferguson) finalmente surgiu. Doadores relevantes das universidades americanas deixaram claro que seu apoio não estará mais disponível para instituições administradas desta forma leniente com o antissemitismo – o modelo nazificante.

Assim, a presidente da Penn deixou o cargo, junto com o presidente do Conselho de Administração da Universidade.

Também a presidente de Havard deixou a Universidade não por ter sido, digamos, suave e ambígua com o antissemitismo no Campus, mas, alegadamente, por uma multidão de plágios em seus escritos.

Na verdade, Ferguson explica que, com muitas pessoas assumindo cargos de relevância nas universidades por pertencerem a minorias, e não por mérito, o plágio acaba sendo uma saída para a falta de conhecimento. Que coisa.

No entanto, lamenta Ferguson, será necessário muito mais do que algumas demissões de alto nível para reformar a cultura das universidades de elite dos Estados Unidos. O problema está demasiado enraizado em vários departamentos universitários, todos dominados por um corpo docente e por uma multidão de empregados e autoridades administrativas com base no ideário DEI (Diversity, Equality, Inclusion). Em algumas faculdades, o número de estudantes de graduação é menor do que o corpo administrativo…

Ferguson, aliás, diz em entrevista que o DEI (Diversity, Equality, Inclusion) nas universidades desdiz o próprio nome: Não há diversidade, pois o objetivo é a uniformidade em torno de uma mesma ideologia unificadora. Não há igualdade, por falta de um devido processo para certas pessoas na consideração dos diversos casos. E não há inclusão, visto que o objetivo é excluir.

Conclusão: Ferguson termina assim seu artigo de 11 de dezembro de 2023: “Em La trahison des clercs, Julien Benda acusou os intelectuais do seu tempo de se envolverem ‘nas paixões raciais, nas paixões de classe e nas paixões nacionais. . . e, por isso, os homens se levantam contra outros homens”. Os líderes acadêmicos de hoje nunca se reconheceriam como herdeiros daqueles que Benda condenou, cem anos atrás, insistindo que estão à esquerda, enquanto os alvos de Benda estavam à direita. E, no entanto, como Victor Klemperer compreendeu depois de 1945, o totalitarismo tem dois sabores, embora os ingredientes sejam os mesmos”.