Caros,
O Telecommunications Act de 1996 tratou a Internet com liberalidade. Inovou, criando o Serviço de Informação. O acesso à internet foi regulado de forma muito leve pela FCC. No segundo Governo Obama, a Agência americana mudou de ideia, e impôs o pesadíssimo Title II para esse acesso (o Tittle II é algo semelhante à Concessão no Brasil). No Governo Trump, a FCC voltou à condição original de light touch regulation. Aí veio o Governo Biden e a FCC fez a quarta mudança de 180º na regulação do mesmo serviço. Essa nova regulação ia entrar em vigor em 22.7.24.
Diante da petição de provedores de acesso à Internet, a Corte de Apelações do Sexto Circuito suspendeu liminarmente a aplicação da nova regra até decisão final de mérito. Achou que há fumus boni iuris e periculum in mora.
Quando a FCC pediu à Corte deferência à expertise da Agência no assunto, o Chairman do Sexto Circuito, Sutton, indagou, ironicamente: deferência para qual FCC, entre as quatro que foram tomando decisões diametralmente opostas umas às outras? E lembrou: “O poder de persuasão de uma agência depende do rigor do seu raciocínio, da sua experiência técnica e da ‘consistência de seus pronunciamentos ao longo do tempo’, especialmente aqueles contemporâneos à promulgação da Lei.
A «intenção da FCC de reverter o rumo pela quarta vez» sugere que o seu raciocínio tem mais a ver com a mudança das administrações presidenciais do que com o atingimento do verdadeiro e duradouro «significado da lei».
Nos últimos 28 anos, a FCC adotou a linha do light touch regulation, exceto por 3 anos de heavy regulation. Sutton acha que a melhor interpretação é a primeira e a que por mais tempo se manteve. Bad omen para a FCC.
O movimento pendular da FCC: Em 22 de maio de 2024, a FCC – Federal Communications Commission – aprovou uma nova regulação classificando os provedores de Internet de banda larga como Common Carriers, ainda que deixando de aplicar alguns requisitos do Title II (mecanismo de forbearance).
Desde a entrada em vigor do liberalizante Telecommunications Act de 1996, essa foi a quarta regulação que a FCC aplica ao acesso à Internet. E não são alteraçõezinhas, são alteraçõezonas. O acesso à Internet ficou indo e vindo, como pêndulo, entre uma regulação muito leve a outra muito pesada, equivalente, esta, à que no Brasil se aplica (com efeitos desastrosos) às concessões de telefonia fixa.
Enquanto a FCC retroage, a contrapelo de sua própria história, a Anatel tem se esforçado para se retirar do abismo das concessões.
Entra o Sexto Circuito: A mais nova regulação da FCC ia entrar em vigor em 22 de julho passado, quando vários provedores de banda larga solicitaram a revisão da regra em oito tribunais federais diferentes. De acordo com o estatuto relevante, foi realizado um sorteio para determinar que Corte de Apelações cuidaria do caso. O Sexto Circuito foi sorteado e consolidou as petições.
Vários provedores solicitaram que o tribunal suspendesse a regra da FCC até a análise final de suas petições. Dado que, ao ver da Corte de Apelações, os fornecedores de banda larga demonstraram que provavelmente terão sucesso no mérito, foi deferida a suspensão requerida.
Importante notar que a decisão do Sexto Circuito foi per curiam, i.e., aquela em que nenhum dos juízes assina a decisão, até porque é coisa muito evidente.
Agência e Congresso: O Sexto Circuito lembra que uma agência só pode regular na medida em que o Congresso tenha permitido. Quando o Congresso delega a sua autoridade legislativa a uma agência, o faz, presumivelmente, após já ter resolvido, ele mesmo, “questões importantes” da própria política: a agência pode decidir apenas as “questões intersticiais” que surgem na prática quotidiana.
A Corte de Apelações lembra, porém, que, quando o Congresso delega a uma agência poder de “alterar os detalhes fundamentais de um esquema regulatório”, deve (o Congresso ) expressar isso claramente, “without hiding elephants in mouseholes”. Em suma, quanto mais uma agência é “criativa”, mais deve mostrar onde a lei lhe concede tal prerrogativa. Esse requisito torna-se mais crucial quando se trata de uma questão de “vasto ‘significado económico e político’.
Fumus boni iuris: Segundo o Sexto Circuito, ‘o Communications Act provavelmente não autoriza manifestamente a Agência a resolver esta questão extraordinária: em nenhum lugar o Congresso concede claramente à FCC o poder discricionário de classificar broadband providers como common carriers’.
Na ausência de um mandato claro para tratar a banda larga como um common carrier, o Sexto Circuito crê que ‘não podemos presumir que o Congresso concedeu à FCC este poder abrangente, e os peticionários demonstraram, portanto, que provavelmente terão sucesso no mérito’.
Periculum in mora: A Corte de Apelações também concluiu que os peticionários demonstraram uma “possibilidade de dano irreparável”. “Os provedores de acesso à Internet enfrentão atrasos no lançamento de produtos e desvantagens na negociação de acordos de interconexão, e tais danos concorrenciais são considerados consequências irreparáveis”.
A Corte quase que zomba da argumentação da FCC, quando a agência tenta demonstrar que o Congresso lhe deu poderes para submeter o acesso à Internet ao regime do Title II. Conclui que as evidências aduzidas pela FCC são inaplicáveis ao caso.
A autorização genérica ou “ancilar” para preencher lacunas no esquema legal do Congresso não é suficiente para mostrar que o Congresso delegou claramente autoridade para resolver uma questão importante como esta.
A história da FCC, contra a FCC: Sutton, Chief Judge do Sexto Circuito, concorda plenamente com a opinião per curiam, claro, mas ainda assim escreve, oferecendo razão adicional para a concessão da suspensão do regulamento da FCC. Sutton afirma que “a melhor leitura da lei, e aquela em vigor durante todos os últimos vinte e oito anos, exceto três, mostra que o Congresso provavelmente não via os provedores de banda larga como common carriers submetidos ao Title II do Communications Act.
O juiz-chefe acha que o Congresso não seria tão inconsistente a ponto de promover a desregulamentação da Internet por um lado e ao mesmo tempo amarrar tão duramente o acesso a ela como common carrier.
Quando a FCC pede (continua Sutton) “que demos crédito à opinião especializada da agência sobre as questões técnicas implicadas neste caso, que fazer? O poder de persuasão de uma agência depende do rigor do seu raciocínio, da sua experiência técnica e da “consistência de seus pronunciamentos ao longo do tempo”, especialmente aqueles contemporâneos à promulgação da Lei. O problema é que não sabemos que grupo de especialistas respeitar. A maioria deles, desde a aprovação da Lei de 1996, argumentou que a banda larga e serviços similares estão abrangidos pelo Título I, e não pelo Título II. A interpretação contemporânea do Telecommunications Act de 1996 recusou-se a tratar os serviços de acesso à Internet em banda larga como oferta de serviços de telecomunicações”…
A «intenção da FCC de reverter o rumo pela quarta vez» (conclui Sutton) sugere que o seu raciocínio tem mais a ver com a mudança das administrações presidenciais do que com o atingimento do verdadeiro e duradouro «significado da lei».