Caros,
As agências reguladoras americanas datam dos anos 1930: compunham o pacote de inovações do New Deal de Roosevelt.
No correr dos anos, o Judiciário foi adquirindo confiança no modelo de agências reguladoras, e a Suprema Corte adotou uma política de elevada deferência às agências naqueles anos 1980, – a Doutrina Chevron. A Doutrina era assim: Quando o Congresso não tivesse sido claro em algum ponto, a interpretação da agência deveria prevalecer, desde que razoável, ainda que o juiz preferisse outra interpretação… Uma imensa consideração: na verdade, o juiz como que renunciava ao próprio julgamento.
Mas tudo isso ruiu em decorrência de abusos de agências reguladoras a partir do entorno dos anos 2010. E finalmente agora, em 2024, a Suprema Corte revogou a Chevron Doctrine.
No Brasil, havia um artigo na antiga LGT que previa a possibilidade de perda do cargo em casos de inobservância, pelo conselheiro, “no que se refere ao cumprimento das políticas estabelecidas para o setor pelos Poderes Executivo e Legislativo”. Tal artigo foi revogado pela Lei nº 9.986/2000, que reduziu as hipóteses de perda do cargo.
Essa revogação demonstra a grande confiança institucional nas agências no início de sua história no Brasil. Era uma espécie de Chevron Doctrine brasileira. Entretanto, a percepção de abusos por parte de múltiplas instituições poderá levar a mudanças, seja no Judiciário, seja no desenho das agências reguladoras.
Agências – Grande Crise nos Estados Unidos:
As agências americanas datam dos anos 1930: compunham o pacote de inovações do New Deal de Roosevelt.
As coisas funcionaram mais ou menos bem até a primeira grande crise ocorrida por ocasião da quebra do monopólio do Sistema Bell, nos anos 1980. A estrutura da FCC aguentou o tranco, apesar da intromissão longa e talvez abusiva do judiciário no processo.
No correr dos anos, o Judiciário foi adquirindo confiança no modelo de agências reguladoras, e a Suprema Corte adotou uma política de elevada deferência às agências naqueles anos 1980, consubstanciadas na Doutrina Chevron, decorrente de sua decisão em Chevron v. NRDC (1984). A Doutrina era assim: Quando o Congresso não tivesse sido claro em algum ponto, a interpretação da agência deveria prevalecer, desde que a lei não tratasse diretamente da questão e a atuação da agência fosse razoável, ainda que o juiz preferisse outra interpretação… Realmente, uma imensa consideração: na verdade, o juiz renunciava ao próprio julgamento, reconhecido o espaço de expertise sóbria do ente independete.
Mas tudo isso ruiu com os abusos de agências a partir do entorno dos anos 2010, de forma que em Loper Bright Enterprises v. Raimondo, (2024) a Suprema Corte revogou a Chevron Doctrine.
Agências reguladoras – o modelo original: O Ministro Sérgio Motta teve uma atitude extraordinária. Um dia ele disse: não quero ter poder sobre as telecomunicações; o poder ficará com a Agência. Sou testemunha disso, porque Serjão me contratou para pensar como deveria ser o órgão regulador das telecomunicações, a futura Anatel. Estava subentendido, claro, que a relação entre agência e Poder Executivo seria a normal, com a agência executando as políticas públicas propostas pelo Executivo.
Naquela época de decisões fundadoras de uma nova era, teria sido natural que a Anatel seguisse o modelo americano, com aperfeiçoamentos. Independente? Sim. Mas, ao contrário da FCC, a Anatel não tinha autonomia para estabelecer políticas, apenas executá-las. Nem haveria formalmente uma divisão partidária de indicações dos conselheiros, como na FCC.
Aliás, na FCC, quando um novo Presidente da República toma posse, o Chairman renuncia para que o novo Presidente possa indicar um novo chairman e, assim, fazer com que a FCC execute com diligência as políticas públicas do novo governo americano.
Também na FCC a entrada em pauta de um processo é estabelecida pelo Chairman, não, como na Anatel, pelo Conselheiro relator da matéria.
Chegou a hora de repensar o modelo? Na terra, mesmo aquelas coisas que parecem eternas, envelhecem, passam.
A Lei Geral de Telecomunicações de 1997 (LGT) é uma provecta senhora. Faz água por diversos meios. O importante à época de sua concepção era o STFC – Serviço Telefônico Fixo Comutado, objeto de universalização e continuidade, hoje, porém, um serviço que quase ninguém mais assina. O telefone fixo pertencia a uma mesa – a mesa ou mesinha do telefone… Hoje, o telefone pertence ao assinante, vai com dono, que compartilha a propriedade com o fabricante, que se superpõe ao proprietário em muitos aspectos de sua funcionalidade.
Depois, os serviços de valor adicionado, que meramente adicionavam um valor ao serviço de telecom, tornaram-se, em alguns casos, as maiores empresas do mundo, – as Big Techs.
O modelo de agências envelheceu? Uma questão levantada nestes dias: se um presidente da república pode ser retirado de seu cargo, apesar de eleito por dezenas de milhões de votos, por que não um conselheiro ou diretor de agência?
É que o impeachment de um presidente advém de uma vontade política muito veemente. E as agências reguladoras não despertam essa veemência generalizada. O interesse político é secundário, particular de um ou outro espectro político.
A confiança no modelo de agências reguladoras era tão amplo na época em que foram concebidas, que não se cogitou disso, da retirada de conselheiros ou diretores que ultrapassem certas linhas de conduta. Mas…
Mas o art. 26, § 1º, da LGT previa a possibilidade de perda do cargo em casos de inobservância, pelo conselheiro, “no que se refere ao cumprimento das políticas estabelecidas para o setor pelos Poderes Executivo e Legislativo”. Tal dispositivo foi revogado pela Lei nº 9.986/2000, que reduziu as hipóteses de perda do cargo.
Essa revogação demonstra a grande confiança institucional nas agências reguladoras no início de sua história no Brasil. Era uma espécie de Chevron Doctrine brasileira. Entretanto, a percepção de abusos por parte de múltiplas instituições poderá levar a mudanças, seja no Judiciário, seja no desenho das agências reguladoras.