Notas & Comentários – 20-01-2023

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Holandeses – poder e informação: Os holandeses, digo, a Companhia das Índias Ocidentais – WIC (pois quem invadiu o Brasil não foi a Holanda, mas uma empresa da Holanda), tinham um tesouro de informações sobre o Brasil: conheciam bem a presa. Tinham informes dos viajantes e marinheiros. Tinham mapas detalhados da costa brasileira. Possuíam a relação, produzida por um certo José Israel da Costa, que dava conta da produção de açúcar branco e retame de cada uma das fábricas existentes em Pernambuco, Itamaracá e Paraíba. Também tinham o “Livro que dá Razão do Estado do Brasil”, do sargento-mor do Estado, Diogo de Campos Moreno, redigido por ordem do Rei Felipe IV de Espanha.

Eles tinham, na Biblioteca de Leiden um apógrafo dos Diálogos das Grandezas do Brasil. Aliás, esse apógrafo ficou esquecido em Leiden, até ser descoberto, lá, pelo grande Francisco Adolfo de Varnhagen, Visconde de Porto Seguro, que dele fez uma cópia em 1874, e deduziu que o autor era Ambrósio Fernandes Brandão (Capistrano de Abreu confirmou essa autoria e José Antonio Gonsalves de Mello reforçou essa conclusão).

Os holandeses tinham, do Brasil, tudo que se podia ter: espionando, comprando, subornando, apresando, tomando ou simplesmente… lendo.

Diálogos das Grandezas do Brasil: Esse livro excepcional contém informações preciosas sumarizadas em Evaldo Cabral de Mello (org.), O Brasil Holandês, Cia das Letras, 2016. Aqui, algumas:

– Dentro da Vila de Olinda habitam inumeráveis mercadores com suas lojas abertas, colmadas de mercadorias de muito preço, de toda sorte, em tanta quantidade que semelha uma Lisboa pequena.

– Sempre se acham ancorados no porto de Olinda, em qualquer tempo do ano, mais de trinta navios, porque lança de si, em cada ano, passante de 120 carregados de açúcares, pau do brasil e algodão.

– É capaz toda a capitania de Pernambuco de pôr em campo 6 mil homens armados, com 800 de cavalo.

O Diálogo está disponível online. Este trecho é uma delícia:

“Não vêdes vós que o Brasil produz tanta quantidade de carnes domésticas e selváticas, que abunda de tantas aves mansas, que se criam em casa, de tôda sorte, e outras infinitas, que se acham pelos campos; tão grande abundância de pescado excelentíssimo, e de diferentes castas e nomes; tantos mariscos e caranguejos que se colhem e tomam à custa de pouco trabalho; tanto leite que se tira dos gados; tanto mel que se acha nas árvores agrestes; ovos sem conta, frutas maravilhosas, cultivadas com pouco trabalho, e outras sem nenhum que os campos e matos dão liberalmente; tanto legume de diversas castas, tanto mantimento de mandioca e arroz, com outras infinidades de coisas salutíferas e de muito nutrimento para a natureza humana […] Porque certamente que não vejo eu nenhuma província ou reino, dos que há na Europa, Ásia ou África, que seja tão abundante de tôdas elas, pois sabemos bem que, se tem umas lhe faltam outras” […].
As informações como que bradavam: ‘WIC, tomem logo o Brasil’.

Tudo era fonte de informação: Até os prisioneiros descreviam a terra do Brasil. Salvador fora capturada pela WIC em 1624. Após a retomada de Salvador pelos espanhóis, em 1625, a Armada da Companhia, voltando à Holanda, fez aguada na Baía da Traição (Paraíba). Neste momento, Assuerus Corneliszoon foi feito prisioneiro até 1628. Daí resultou uma descrição da cidade.

Assuerus fala de um caminho, da praia à cidadezinha, tão largo que dois cavalos podem trotar lado a lado. Fala de 3 conventos, e grandes armazéns cobertos de telhas. Menciona o engenho do governador, Pedro Cadena de Vilhasante, que o caminho que lá chega comporta dois carros de boi lado a lado; acrescenta que o governador dispõe de 2 companhias de 100 homens brancos cada uma, e uma companhia de brasilianos com arco e flecha. Os cidadãos são artesãos. Da cidadezinha avistam-se 2 engenhos.

Viaja-se para o interior, continua Assuerus, atravessando rios a vau, com água até os joelhos apenas, pelo mesmo caminho que fica perto da Traição. […] Há um rio que, de tão largo, torna-se impossível de advertir a gente na outra margem por grito; a comunicação é por fogos.

Assuerus erra, entretanto, quando diz que havia 36 engenhos na Capitania da Paraíba: Evaldo Cabral de Melo diz que só havia 20. Assuerus podia, muito bem, estar valorizando seu Report, talvez para agradar a Companhia das Índias Ocidentais, e atiçar a ganância da WIC, e talvez para melhorar sua imagem de derrotado na Bahia e aprisionamento (por desatenção?) na Paraíba…

Um mapa: Às vezes é difícil entender a localização das coisas no Recife holandês. A Companhia das Índias Ocidentais (WIC) resolveu usar basicamente a ilha de Antonio Vaz, cujo mapa reproduzimos abaixo. Não é à-toa que lá se ergueram, com o tempo, o Palácio do Governo, o Teatro de Santa Isabel, o Palácio da Justiça, o Mercado São José, a Casa de Detenção, e as mais belas edificações: a Igreja de São Pedro dos Clérigos, a Capela Dourada e o Convento Franciscano, a Basílica de Nossa Senhora do Carmo, a Igreja de Nossa Senhora da Conceição dos Militares. A Cidade Maurícia, alma de Recife, ainda está lá.

Mapa recife