Brasília, 9 de fevereiro de 2018
Neutralidade – o nome, o mito e a realidade: Neutralidade tornou- e uma palavra com significado abrangente, uma catchword para ma série de coisas, as mais variadas coisas. Isolado de seu ignificado mais profundo, que é solenemente ignorado pelas pessoas não iniciadas na área de telecom/Internet, para quem o ermo neutralidade soa sempre como algo justo, ponderado, equilibrado, equidistante, anódino. O problema é que outras camadas e significação foram agregadas sob o nome Neutralidade, que nada têm a ver com neutralidade.
O Jornal o Estado de São Paulo parece incorrer em tal equívoco, em editorial em 31.12.2017. O editorial é correto, mas errado; é sábio, mas ignorante. É solene, mas trivial. (https://www.estadao.com.br/opiniao/a-neutralidade-da-rede/).
O Estadão é correto ao defender o significado intuitivo de Neutralidade, mas errado quando não se aprofunda para ver o que oi silenciosamente incorporado ao nobre título de Neutralidade. O Estadão é sábio, porque seu objetivo é bom no geral, mas é ignorante, porque se deixou levar pelos slogans dos ativistas digitais. As palavras do editorial soam solenes, mas não se alçam acima da trivialidade.
Imprecisões e erros do editorial do Estadão: Não desconfiamos as intenções do Estadão; admitimos que seja boa. Mas é imprecisa superficial, e mesmo errônea.
É imprecisa quando afirma que a neutralidade garante o “acesso livre igualitário a qualquer tipo de conteúdo no ambiente online, tanto ara os que produzem como para os que consomem”. Como quase udo no mundo, os termos “livre” e “igualitário” contêm, embutidas, algumas contradições. Quem estuda o assunto sabe que, a depender o nível de intrusão das normas neutrais, o igualitarismo no ratamento dos pacotes de dados pode representar a redução das possibilidades de entrega de determinados serviços e de sua qualidade (e-mails interrompendo vídeos, entretenimento ou telemedicina, p. ex.), com impactos na experiência do usuário e, portanto, da sua liberdade de escolha e acesso aos conteúdos. Pode estringir a liberdade de usuários de optar por acessar gratuitamente determinadas aplicações em razão de eventual diferenciação de ratamento de aplicações por provedores de conexão.
Por outro lado, o editorial do Estadão erra factualmente quando firma que a decisão da FCC ainda depende, para valer, de ação do Congresso. Não depende. A decisão da FCC entraria (como entrou) em vigor após publicação da decisão no Federal Register (o Diário Oficial americano), geralmente 60 dias depois da aprovação do texto final.
É claro que a própria FCC, com a flutuação de seus membros e alternância de suas decisões, tem estimulado o Congresso a lidar de vez com a questão da Neutralidade, estabelecendo de maneira definitiva qual o papel, deveres e liberdades das prestadoras de erviços de Telecom. E, claro, quais as liberdades e deveres dos edge providers, dos provedores de informação e de aplicativos. Já á, de fato, pelo menos um bill tramitando no Congresso americano ratando desse tema.
Liberdade de Expressão – onde está o perigo?: O Estadão adota visão tradicional de que o gargalo da informação, o gatekeeper natural, é o provedor de acesso, de conexão, à Internet, ou seja, a restadora de serviço de telecomunicações. Talvez fosse, até o início os anos 2000, quando Tim Wu escreveu seu paper seminal sobre o assunto. Não mais.
Os principais gatekeepers da informação são o Facebook, o Google, Twitter, provedores de aplicação virtuais monopolistas em suas respectivas áreas. Não há história relevante de bloqueio de informação por empresa de Telecom, mas abundam casos de bloqueio, de censura, por parte dos aplicativos de redes sociais sem nenhum nível de regulamentação e atendendo apenas aos próprios interesses comerciais e ideológicos do Facebook, do Google, do Twitter.
A campanha pró-Neutralidade de Rede, no entanto, tem apontado eu canhão para as Teles, para o problema menor, para o inimigo potencial errado. As pessoas recebem informação através das redes e diversas Teles, mas, mesmo variando o provedor de conexão à Internet, costumam manter o uso sempre das mesmas “redes sociais”. Em outras palavras, as pessoas mudam de prestadora de erviços de telecom, mas continuam recebendo a informação através o Facebook, do Google, do Twitter. Ou seja, o nó da informação não é a rede de telecom, mas a rede social.
A gravidade do equívoco: O Estadão é jornal tido como conservador, pelo menos em sua linha editorial. Pode ser que seja.
Dos jornais brasileiros, o mais circunspecto. Por isso, causa estranheza sua abordagem acerca da neutralidade.
No Brasil, sempre houve (a correta) neutralidade de rede, a neutralidade que proíbe discriminação, por força da Lei Geral de
Telecomunicações – Lei 9.472/97 – e de sua regulamentação. O que Marco Civil da Internet fez foi introduzir a ideologia sob o manto de neutralidade, abrindo caminho para uma ingerência inédita e perigosa do Estado sobre a gestão das redes que dão suporte à Internet. E a componente ideológica foi exacerbada pela Presidente Dilma Rousseff num Decreto publicado no apagar das luzes de seu mandato interrompido pelo impeachment – e sobre o qual a imprensa brasileira pouco ou nada falou. Os efeitos da irracionalidade do Decreto ficam mais claros quando prejudicam diretamente os mais obres, aqueles que não podem comprar altas capacidades de tráfego.
Para dar um exemplo: os ativistas digitais afirmam que uma Tele não ode ofertar o WhatsApp de graça a seus usuários, pois essa atitude feriria a Neutralidade… Haja paciência. Preferem que as pessoas eixem de acessar um determinado conteúdo só para defender ideologicamente um conceito distorcido de Neutralidade.
Como notou o historiador Paul Johnson, o efeito invariável de uma ideologia é o erguimento de uma ideia a um patamar mais elevado que o da pessoa. A ideia torna-se mais importante que pessoas concretas, do que pessoas de carne e osso e dos fatos que as afetam. Não é muito difícil perceber esse padrão em muitos pontos a neutralidade de rede.
Mais equívocos: O Estadão comprou as palavras de ordem da nova esquerda americana ao afirmar: “ao votar pelo fim da neutralidade da rede, a agência que regula as telecomunicações nos EUA [a FCC] votou por acabar com a internet tal como ela é conhecida”. Essas palavras de ordem são factualmente falsas: a Internet nasceu, se desenvolveu e prosperou com as regras da FCC anteriores à intervenção de Obama.
As regras de Obama duraram apenas dois anos. Durante o período m que a rede realmente se desenvolveu, não havia essas regras de “neutralidade”: havia o bom senso. E havia, também, as regras antitruste, a análise ex-post de qualquer iniciativa que pudesse vir a ferir a livre concorrência. Aliás, no período em que a Neutralidade obamista vigeu, os investimentos na rede não só caíram, segundo a FCC, mas caíram pela primeira vez na história, fora de um período e recessão, e caíram em bilhões de dólares…
Finalmente, o Estadão relata os elogios de Tim Berners-Lee ao Marco Civil da Internet, como se isso fosse prova de excelência do osso Marco Civil. Tim Berners-Lee foi (talvez ainda seja) membro o Board da Ford Foundation, a grande financiadora mundial da Neutralidade, dessa neutralidade extremada, ideológica. É como se – exagerando para mostrar o ponto – se tomasse um elogio de Luís Carlos Prestes como validando uma doutrina de Stalin.
A imprensa e a neutralidade de rede: Não é difícil constatar que o tema da neutralidade de rede é um dos mais difíceis de apreensão e exame isento pela mídia tradicional. Por várias razões.
A primeira é que a mídia brasileira inteira, com uma exceção recente um ou outro portal de Internet com menor visibilidade, é uma caixa e ressonância da mídia da nova esquerda americana (NYT, Washington Post, CNN, etc.). Por caixa de ressonância queremos dizer internalização quase completa das notícias, sem considerações adicionais, filtros, ponderações, avaliação de premissas, estudo das fontes primárias, etc.
Não é à toa que as opiniões no plano internacional ou de assuntos muito em voga na imprensa do exterior recebem tratamento bastante uniforme nos meios de comunicação brasileiros. Raramente vemos opiniões dissonantes daquelas publicadas em alguns veículos de esquerda dos EUA, como (é inacreditável): New York Times, Washington Post, Wall Street Journal, Financial Times e The Economist, os três últimos em assuntos mais estritamente econômicos.
O Estadão e outros jornais brasileiros mantêm parcerias com veículos como o New York Times (com aquela aura, como se fossem veículos isentos) e dificilmente escapam da redoma editorial dos correspondentes estrangeiros quando os assuntos são temas de alcance internacional.
Em segundo lugar, pela complexidade intrínseca do tema em específico, o da neutralidade, tema técnico, demandante de profundamento incomum no dia-a-dia das redações jornalísticas, muitas delas afeitas à superficialidade no tratamento de temas complexos, repetidoras de chavões e palavras de ordem.
Gachineiro deixa o setor de Telecom: Gustavo Gachineiro espediu-se das telecomunicações em 16 de janeiro passado. Foi enriquecer, com seus conhecimentos, o setor elétrico. A CPFL está e parabéns por poder contar com um chefe de sua área jurídica esse quilate.
Conheci Gachineiro há uns 16 anos, quando ele era o jurídico da AT&T Latin America, posteriormente adquirida pela Embratel. Desde então admiro seu jeito tranquilo, sua correção, sua capacidade de trabalho, e sua grande competência. Fará muita falta ao setor. Esperamos que retorne logo.