Notas & Comentários – 23-02-2018

Brasília, 23 de fevereiro de 2018
Internet, o Uber da radiodifusão: Dizer que o Uber é a maior frota e taxis do mundo, sem precisar possuir nenhum taxi, parece um oxímoro. Está tomando os passageiros do táxi; está matando o taxi. O taxi para ser taxi entra numa fila para obter um alvará, paga caro elo alvará, tem tarifa fixada pela prefeitura, precisa calibrar o taxímetro todo ano, passar por vistoria todo ano, tem de afixar certos visos no interior e no exterior do taxi, está sujeito a regras que, não cumpridas, geram multa todo dia… O Uber não se sujeita a nada isso. Muitas vezes para seu motorista, o taxi é essencial à sua subsistência e de sua família. Muitas vezes, para seu condutor, o Uber é um bico, um complemento de renda.

Por todo seu processo de licenciamento, e por determinação do Estado, o taxi existe em número limitado. O Uber é um carro no universo de todos os carros; quase qualquer carro. É nesse sentido que ousamos dizer que a Internet é o Uber da radiodifusão. Há poucas TVs, pela limitação natural do espectro. Mas não há praticamente limitação para canais de TV na Internet.

Internet é a TV informal: E, nesse sentido, por ser a Internet limitada, pode ser improvisada, malcuidada, bagunçada, esculhambada. A radiodifusão é um dos serviços mais regulados da história. Uma mera olhadela no Regulamento de Radiodifusão escancara um pelourinho de amarras e obrigações.

(http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/d52795.htm)

E, claro, todo o arcabouço legal e regulatório da radiodifusão foi montado ao longo de décadas sobre algumas premissas expressas: localismo; acesso livre e gratuito, tratamento correto de pessoas e notícias, etc.

Como surge uma TV? Da autoridade do Governo. Alguém pede um Canal de geradora de TV. Sai um edital no D.O.U. Os interessados entram. Ganha a melhor proposta, talvez a que pagou mais ao erário. E ainda tem um prazo bem definido para se iniciarem as emissões.

Como surge um canal na Internet? Do nada, de qualquer lugar, de nenhuma autoridade, sem nenhum processo de escolha, sem nenhuma obrigação, sem nenhum prazo. Simples assim: a pessoa quer e faz.

TV e Internet – Controle, incontrole e descontrole: A arena da competição é absolutamente desigual:

  1. Quanto ao tipo de transmissão, a radiodifusão pode ser sonora (rádio) ou de sons e imagens (TV). A Internet pode qualquer coisa, uma espécie de multidifusão, e com interatividade.
  2. Quanto à área de prestação de serviço, a radiodifusão pode ser local, regional e nacional. A Internet é mundial.
  3. A radiodifusão pode ser com modulação AM, FM. A Internet ignora modulação. A Internet pela simples padronização dos protocolos empregados, pode transmitir de qualquer equipamento, por qualquer meio de transmissão, empregando todas as tecnologias disponíveis.
  4. Cada tipo de serviço de radiodifusão usa radiofrequências a ela, e só a ela, destinadas de forma exclusiva na sua área de erviço. A Internet usa qualquer radiofrequência, qualquer fio, qualquer cabo, qualquer fibra. E usa as radiofrequências de outros serviços, inclusive agora as da própria radiodifusão, e os fios, cabos e fibras de outros serviços, às vezes exaurindo serviço hospedeiro, como um parasita, como um predador.
  5. A radiodifusão, quanto ao tempo de funcionamento, pode ser e horário limitado ou ilimitado. A Internet transcende o empo. O tempo não limita a Internet. A internet está sempre ligada, transmitindo o que quiser o tempo todo, não transmitindo nada, repetindo transmissões.
  6. Alguns requisitos para a radiodifusão: certificado de licença; estúdio principal e estúdio auxiliar; difusão do prefixo; formação de cadeia de rádio e TV. Ai de quem quiser instalar m estúdio num lugar “errado”. O estúdio da Internet é o mundo inteiro, qualquer local pode ser usado para produzir conteúdo, usando equipamentos que prescindem de licença.
  7. Compete privativamente à União fiscalizar e sancionar os erviços de radiodifusão. Não compete a ninguém fiscalizar, muito menos sancionar o conteúdo da Internet (salvo os casos constitucionais e legais aplicados a todos indistintamente). Na verdade, é a Internet que sanciona a quem ela quiser.
  8. Os diretores de uma emissora de radiodifusão são, por regulamento, e constitucionalmente, obrigatoriamente brasileiros natos. A quase totalidade de uso da Internet se dá obre aplicativos desenvolvidos e controlados por um número em limitado de cidadãos de países estrangeiros: logo, não penas os diretores não são brasileiros natos, como nem abemos quem são os diretores, se é que os há.

TV e Internet – O fim da solenidade: “Compete ao Presidente da República outorgar, por meio de concessão, a exploração dos erviços de radiodifusão de sons e imagens”. A Concessão de TV era ão importante que era feita pelo Presidente da República. Ainda que Presidente da República tenha perdido muito de sua importância, ratava-se de ato solene. Mal comparando, a concessão de TV era omo um pênalti, que, por sua importância, tinha de ser batido pelo ono do time.

Em profundo contraste, não há nenhuma solenidade na abertura e funcionamento de uma empresa de Internet. E o dono fica como que constrangido a usar aquela roupa de adolescente pelo resto da vida.

FCC e o velho Localismo da Radiodifusão – I: Nos últimos meses, FCC apresentou proposta para acabar com mais uma obrigação legal de localismo, que já durava 80 anos. A de as concessionárias e rádio AM, FM e de TV serem obrigados a manter um estúdio principal dentro ou próximo à área da comunidade coberta pela licença. São as chamadas studio rules. Já não era sem tempo. A justificativa da FCC, muito razoável, é que as novas tecnologias substituíram a necessidade de um regionalismo legalmente imposto que acarreta custos elevados às empresas de radiodifusão. As pessoas agora acessam notícias locais por meio de redes sociais, e-mails, blogs, etc., distribuídos em servidores espalhados por todo o planeta.

FCC e o velho Localismo da Radiodifusão – II: O localismo era uma característica intrínseca do rádio e da televisão nas primeiras décadas após o surgimento desses serviços. Significava duas coisas, principalmente: conteúdo regionalizado e proximidade com as populações locais. Por limitações técnicas, o alcance médio das estações nos anos 1920 era de apenas cerca de 45 quilômetros (OM), o que reforçava o caráter local do rádio. Houve, por exemplo, grandes discussões no final dos anos 20, após a criação da Federal Radio Commission – FRC, acerca da distribuição dos canais entre estações de menor potência (com mais raízes na comunidade), mas que não alcançariam a América profunda, e estações com maior potência (AM), mas sem um localismo muito forte.

Esse localismo era refletido em produções e conteúdo locais, e, portanto, associado a uma característica histórica do rádio.

O Fracasso do Localismo – I: Mas o Localismo parece ter fracassado nos EUA. Por quê? Em estudo de 2014, Stanley Besen explicou esse fracasso apontando que: (i) quase toda a programação “local”, na prática, tende a ter um foco nacional ou ao menos regional; (ii) as afiliadas dependiam da programação das cabeças de rede em ais de 80% de seu tempo no horário nobre; (iii) os 20% restantes ão dedicados a filmes e programações nacionais; (iv) poucos programas, fora algum noticiário, boletim do tempo e parte da programação esportiva, são de fato gerados regionalmente; (v) Os anúncios de empresas locais nos comerciais correspondem a apenas 20% do faturamento das redes locais, o restante vem de anunciantes e âmbito nacional; e (vi) TVs independentes não têm a programação muito diferente das outras.

O Fracasso do Localismo – II: A manutenção de uma competição econômica não é possível quando se comparam TVs e rádios acionais e locais. De fato, a lucratividade das TVs de âmbito acional é muito maior, pois um programa de mesma qualidade tem m custo muito menor por telespectador. Na questão da qualidade a programação, cabe notar que a maior parte dos telespectadores referem assistir aos melhores apresentadores de jornais, aos melhores jogadores de esporte (NFL versus High School Games- elo menos na época em que não alardeavam seu desrespeito, joelhando-se na hora do hino nacional). Além disso, e por isso, os programas produzidos localmente têm audiências menores, com receitas de publicidade muito mais reduzidas, e uma programação om custo por telespectador muito mais alto do que programas acionais. Uma combinação fatal!

Embora a analogia não seja exata, o localismo desproporcional, aurido de um objetivo muito idealizado, é o mesmo que forçar a inserção de cotas de conteúdos de programação nacional e independente, como na Lei do SeAC, ou de canais como a TV Brasil a grade de programação. Tudo isso está, em maior ou menor medida, fadado ao fracasso.

E aí?: Mostramos apenas alguns aspectos da enorme desigualdade e competição entre TV e Internet, em tremenda ameaça à sobrevivência da radiodifusão. Aí, chegou a hora de o MCTIC rever oda a gigantesca massa de regulamentos, hoje totalmente antiquada injusta, grandemente onerosa e sem mais objeto, de modo a que a radiodifusão sobreviva mais tempo e siga prestando os bons serviços que sempre prestou.