Notas & Comentários – 14-07-2023

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Guerra e Paz: A história de Fritz Haber e o preço que pagou pela invenção do gás venenoso usado na Grande Guerra nos leva a uma meditação sobre armas de guerra, sobre o negócio e a arte de matar, sobre o código do soldado, sobre o alcance do conceito de honra. A invenção do processo de síntese da amônia a partir da atmosfera não o redimiu. Bilhões de pessoas salvas da fome com os fertilizantes advindos dessa amônia não o redimiu.

As armas de guerra alteraram a organização da Sociedade a partir de um novo papel para os guerreiros. P. ex., a inocente invenção do estribo do cavalo na Europa Ocidental, na Idade Média, permitindo o guerreiro lutar montado, introduziu uma revolução no modo de guerrear, mas foi além. Provocou uma alteração tão profunda na estrutura da sociedade europeia mesma que é difícil imaginar (vide, . ex., Lynn White, Medieval Technology and Social Change. Oxford University Press, 1966. É um livro intensamente brilhante e instigante).

Fritz Haber, o drama de um judeu alemão: Haber disse, muito antes da noite do Nazismo, que era alemão, antes de ser judeu. Amava profundamente a Alemanha. Inclusive, se converteu ao Protestantismo para, talvez, melhor fazer parte da ‘Pátria Alemã’. Inventou o gás venenoso como arma para a Alemanha. Deu alimentos e munições à Alemanha com sua descoberta da síntese a amônia a partir do Nitrogênio da atmosfera, uma coisa assombrosa. Sem Fritz Haber, e com a Royal Navy bloqueando o acesso à amônia chilena, é possível que a Alemanha não conseguisse combater mais do que uns meses na Grande Guerra. Questionado sobre o uso do Gás venenoso na Guerra, disse: “Em tempo de paz, o cientista pertence ao mundo, mas na Guerra pertence ao seu País”. Ele achava isso mesmo. Mas talvez tenha exagerado.

Haber e o Nazismo: Quando Hitler se apoderou da Alemanha, Fritz Haber, com todo seu mérito científico, todo seu amor pelo país, mesmo como ex-combatente promovido à patente de capitão, mesmo tendo se convertido ao Protestantismo, mesmo tendo salvo duplamente a Alemanha da fome e da falta de explosivos na Primeira Guerra, Haber foi compelido a despedir seus auxiliares judeus. Ele tentou atrasar o mais que pôde essas demissões, para conseguir um emprego para eles, seus colegas. Mas finalmente, mesmo com permissão para ficar, Haber foi embora. Sua família, também. Seus filhos com a segunda esposa, Charlotte Nathan, se tornaram cidadãos ingleses após a II Guerra Mundial.

O totalitarismo, todo totalitarismo, é impiedoso e inumano. E, claro, não tem nenhum sentimento de gratidão.

Física e Química: A Física é bela, mas a Química é útil – ou destruidora. Saber que o Sol atrai a Terra na razão do inverso do quadrado da distância é eletrizante. Mas o antibiótico cura a infecção, o antitérmico baixa a febre, o analgésico elimina a dor de cabeça. E o nitrato fertiliza a terra e multiplica o alimento. Ainda que mesmo nitrato dê um explosivo muito mais potente do que a pólvora.

A Física tende à neutralidade. A Química tende à militância. A Física diz qual é a trajetória do projétil, mas a Química explode a bomba.

Os Raios X, porém, já mostravam um caminho prático para a Física. O primeiro Nobel de Física foi dado a Roentgen.

Tudo mudou com a Bomba Atômica: o Armagedom necessitava da colaboração dessas duas ciências, a Química e a Física.

A transformação da guerra: O Homem sempre brigou, batalhou, guerreou. No início, com as mãos. Depois, com objetos seguros na mão, e armas como espadas, escudos, facas e piques. Depois com mísseis, objetos que podia lançar, como azagaias, dardos, lanças.
Os carros puxados por cavalos, bigas e quadrigas, causaram certa comoção, mas acabaram saindo de cena, pelo limitado custo-benefício.

Assim, o homem treinava a luta com a espada e o escudo, assumindo que o adversário ou o inimigo estaria armado da mesma forma. O que contava era a habilidade, a bravura, a coragem, a ousadia, a resistência, a honra. O homem era a coisa mais importante na batalha.

O cavalo de batalha – o destrier -, com o cavaleiro, mudou um pouco esse estado de coisas, mas trataremos disso em outro contexto. Na Idade Média surgiram armas que mudaram não apenas a arte da guerra, mas a própria estrutura da sociedade. As novas armas, as novas tecnologias, a besta (ou balestra), o arco longo (longbow) e a pólvora, tornaram um pouco prescindíveis o valor individual do soldado, sua habilidade no manejo da espada. Foi um choque. Qualquer um podia matar um cavaleiro, de longe, e sem chance defesa.

A besta: A besta tinha força suficiente para atravessar a maioria das armaduras da época, como cotas de malha e algumas armaduras leves de placas, mesmo a uma boa distância.

Também chamada de balestra, a besta era uma arma capaz de disparar um dardo com violência tal que perfurava o escudo e a armadura de um cavaleiro. Como assim? Um infante, um soldado a é podia matar um cavaleiro à distância, sem engajar combate leal? Sim, podia. Os paradigmas da guerra se alteraram profundamente.

É claro que a flecha de um arco comum, ou de um arco compósito, matava à distância, mas a besta tinha uma potência inaudita. Igualava, de certa forma, um soldado sem treino a um cavaleiro que passou a vida se preparando para o combate com seus iguais. Na verdade, o cavaleiro estava em desvantagem. O cavaleiro precisa e proximidade com o adversário, um contato mesmo, para combater eficazmente. O besteiro, não.

Estou fazendo essa introdução sobre a besta e o arco longo por ser um caminho lógico, e tecnológico, até a pólvora e a dinamite de Alfred Nobel. É, de certa forma, a história da tecnologia que, exacerbando o poder do homem, se sobrepõe ao homem, podendo desmoralizá-lo.