Caros,
O relacionamento de um governo com mídias poderosas é sempre algo delicado, e mesmo perigoso.
Foi aí, p. ex., que o governo americano e sua burocracia (ao que consta, se é que é mesmo verdade) enxergou uma artimanha maquiavélica: fazer com que, informalmente ou reservadamente, as Big Techs fizessem, elas, a censura que o governo, ou partes do governo, gostaria de fazer, mas não conseguia, ou tinha vergonha de fazer à luz do dia…
A Internet e as Big Techs, que mudaram o mundo e sua linguagem, subverteram as bases sobre as quais o First Amendment da Constituição americana se baseava. Os Founding Fathers americanos, coitados, achavam que o risco de censura, de opressão contra a liberdade do cidadão só podia vir do governo, com seu enorme poder executivo. Jamais conseguiriam imaginar que um diminuto número de Big Techs poderia obter tamanho poder, e controlar a informação e seu fluxo.
A portaria é bastante boa na parte dos considerandos e muito vaga nos resolves. Um dos considerandos diz que as plataformas:
[…] não são simples exibidoras de conteúdos postados por terceiros, mas mediadoras dos conteúdos exibidos para cada um dos seus usuários, definindo o que será exibido, o que pode ser moderado, o alcance das publicações, a recomendação de conteúdos e contas […] e, assim, não são agentes neutros em relação aos conteúdos que nela transitam.
É isso mesmo.
Interpostas pessoas? O relacionamento de um governo com mídias poderosas é sempre algo delicado, e mesmo perigoso.
Foi aí, p. ex., que o governo americano (ao que consta, se é que é mesmo verdade) enxergou uma artimanha maquiavélica: fazer com que, informalmente ou reservadamente, as Big Techs fizessem, elas, a censura que o governo (ou seus departamentos) gostaria de fazer, mas não podia, ou tinha vergonha de fazer à luz do dia…
Desconfiava-se disso, mas tudo só ficou óbvio (se é que ficou) quando Elon Musk comprou o Twitter e divulgou a artimanha. Dizem até que o problema de Musk com o Twitter é como rentabilizar a rede, pois – diz-se, maldosamente – que o FBI, a CIA, a NSA já não dão ou dificultam que sejam dados mais recursos ao Twitter…
A burla à Primeira Emenda: Congress shall make no law […] abridging the freedom of speech, or of the press. A Primeira Emenda à Constituição americana é claríssima. Nenhuma lei pode, nos EUA, restringir a liberdade de expressão ou de imprensa. Mas…
A Internet e as Big Techs, que mudaram o mundo e sua linguagem, subverteram as bases sobre as quais o First Amendment se baseava. Os Founding Fathers americanos, coitados, achavam que o risco de censura, de opressão contra a liberdade do cidadão só podia vir do governo, com seu enorme poder executivo. Jamais conseguiriam imaginar que um diminuto número de Big Techs poderia obter tamanho poder, e controlaria a informação.
A Portaria e a Livre Expressão: Voltando à Portaria nº 351/2023, que se propõe proteger as criancinhas nas escolas, notamos, de início, que o objeto da norma é muito amplo, permitindo abarcar qualquer coisa dentro da concepção de “flagrantemente ilícito”, “nocivo”, “danoso” e “prejudicial”.
Coisas singelas, sábias ou bobas, como ser a favor do homeshooling seria nocivo? Dizer que a maioria das escolas tem viés ideológico seria danoso, estimularia o ódio contra as instituições de ensino e, portanto, ataques a elas ou nelas? Deixar ao arbítrio do Poder Executivo, que muda de vez em quando, e que geralmente tem uma determinada visão política do mundo, a decisão no caso concreto sobre essas questões pode ser perigoso.
Outro problema da portaria são os poderes contundentes, porém não bem delimitados, autoconferidos ao MJSP para agir em caso de “circunstâncias extraordinárias de grave ameaça pública”, ocasião em que o Ministério poderá determinar a adoção de protocolos de crise a serem observados pelas plataformas de redes sociais. Não ficam claros o que serão esses protocolos de crise nem o que se entende por “grave ameaça pública”.
Por fim, a norma prevê, ainda, sanções administrativas e judiciais pelo descumprimento das obrigações, de acordo com as atribuições já existentes de órgãos competentes.
As criancinhas das escolas como consumidores: Interessante notar que a lei mais citada como apoio à Portaria é o Código de Defesa do Consumidor. É por esse Código, via a Senacon (of all things) que o Governo pretende atingir as plataformas digitais.
Alguns Considerandos interessantes: Mostram um entendimento bastante correto do que são as plataformas:
Considerando que as plataformas de redes sociais não são simples exibidoras de conteúdos postados por terceiros, mas mediadoras dos conteúdos exibidos para cada um dos seus usuários, definindo o que será exibido, o que pode ser moderado, o alcance das publicações, a recomendação de conteúdos e contas, e, assim, não são agentes neutros em relação aos conteúdos que nela transitam.
É isso mesmo. Nós mesmos dizemos isso há mais de 10 anos, talvez sem a clareza dessa contundência, talvez numa hora ainda precoce, e certamente sem a caneta de uma portaria.
Mas… Poder-se-ia perguntar o que tem isso a ver com a defesa das criancinhas nas escolas? Parece um non sequitur. Claro, as plataformas prestam um serviço, existem consumidores, mas a ligação é um pouco longínqua.
Na verdade, a Portaria assume que as Plataformas têm responsabilidade no caso de conteúdos nelas divulgados que ameacem as escolas. Isso pode ser correto, mas é necessário cautela para impedir abusos.