Notas & Comentários – 21-04-2023

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O duelo entre imagem e conteúdo na TV: Neil Postman afirma, no seu antológico Amusing Ourselves to Death (Penguin Books, 1985) que seria impensável alguém como o presidente norte-americano (1909 – 13), William Howard Taft, possuidor de múltiplos queixos e pesando 130 quilos (vide abaixo), se apresentar como candidato presidencial no mundo da TV hoje (de 1985!). A forma do corpo de um homem é em grande parte irrelevante para a apresentação de suas ideias quando ele se dirige a um público por escrito ou no rádio.

Mas é muito relevante na televisão.

Para Postman, a, digamos, conspícua imagem de 300 pounds facilmente superaria quaisquer sutilezas lógicas ou espirituais transmitidas pela fala. Sim, porque, na televisão, a conversa é em imagens, não em palavras. A emergência do gestor de imagem na política e o concomitante declínio do redator de discursos (ghost writer) atestam que a televisão demanda um tipo de conteúdo diferente dos demais meios.

Não se pode fazer filosofia política na televisão. O formato da TV exclui esse tipo de conteúdo.

A credibilidade do conteúdo e o meio de sua transmissão – I: Considere-se o caso de um tribunal jurídico. Nele, os livros de direito, resumos, citações e outros materiais escritos definem e organizam o método de encontrar a verdade; a tradição oral perdeu muito de sua relevância – mas não toda. Até porque se espera que o testemunho seja dado oralmente, na suposição de que a palavra falada, não a escrita, é um reflexo mais verdadeiro do estado de espírito de uma testemunha. De fato, segundo Postman, em muitos tribunais, os jurados não têm permissão para fazer anotações, nem recebem cópias escritas da explicação do juiz sobre a lei. Por um lado, espera-se que os jurados ouçam a verdade, ou seu oposto, não que a leiam. Por outro, a verdade estaria na lei que legisladores escreveram.

A credibilidade do conteúdo e o meio de sua transmissão – II: Um paradoxo semelhante existe nas universidades. Postman cita um caso que presenciou em uma banca de defesa de tese de doutorado. Ele conta que o candidato havia incluído em sua tese uma nota de rodapé, destinada a documentar uma citação, da seguinte forma: “Contada ao pesquisador no Roosevelt Hotel em 18 de janeiro de 1981, na presença de Arthur Lingeman e Jerrold Gross”. Essa citação chamou a atenção de nada menos que quatro dos cinco examinadores da banca (Postman era o quinto); todos observaram que ela era pouco adequada como forma de documentação e que deveria ser substituída por uma citação de um livro ou artigo. “Você não é jornalista”, observou um professor. “Supõe-se que você seja um estudioso.” O candidato se defendeu vigorosamente, alegando que havia testemunhas do que lhe foi dito, que elas estavam disponíveis para atestar a veracidade da citação e que a forma em que uma ideia é transmitida é irrelevante para sua verdade, mas… teve de mudar a nota de rodapé.

A credibilidade do conteúdo e o meio de sua transmissão – III: A resposta que o doutorando recebeu foi na seguinte linha:

Você está enganado ao acreditar que a forma na qual uma ideia é transmitida é irrelevante para ‘sua verdade’. No mundo acadêmico, a palavra publicada é investida de maior prestígio e autenticidade do que a palavra falada. O que as pessoas dizem é assumido como sendo mais casualmente proferido do que o que elas escrevem. Assume-se que a palavra escrita foi refletida e revisada pelo próprio autor, revista por autoridades e editores. É mais fácil de verificar ou refutar, e é investida de um caráter impessoal e objetivo, razão pela qual, sem dúvida, você se referiu em sua tese como ‘o pesquisador’ e não pelo seu nome; ou seja, a palavra escrita é, por sua natureza, dirigida ao mundo, não a um indivíduo. A palavra escrita perdura, a palavra falada desaparece; e é por isso que escrever está ‘mais próximo da verdade’ do que falar. Além disso, temos certeza de que você preferiria que esta comissão produzisse uma declaração por escrito de que você foi aprovado em seu exame (caso o seja) do que simplesmente dizer que você foi aprovado e deixar por isso mesmo. Nossa declaração escrita representaria a ‘verdade’. Nosso acordo verbal seria apenas um rumor, um boato.