Notas & Comentários – 24-03-2023

Clique para continuar a leituraLer novamente a Apresentação desta Nota

Possível radicalização da Neutralidade de rede: Em petição protocolada no início de janeiro, várias organizações da chamada sociedade civil, como a Coalização Direitos na Rede, Intervozes, Idec e Nupef, pediram ao ministro da Justiça, Flávio Dino, que: (i) a neutralidade de rede seja aplicada aos casos de zero-rating dos planos de dados das operadoras, impedindo-as de ofertá-los na forma como acontece hoje; e (ii) que seja proibida a interrupção do “serviço de conexão à internet”, inclusive por inadimplência, por constituir este um serviço essencial e de caráter universal.

Ministério da Justiça? Serviço essencial e de caráter universal? Sim, esse foi o pedido.

Ministério da Justiça: Inicialmente, pode-se pensar que houve um engano, que as organizações bateram na porta errada, que peticionaram à autoridade errada, em termos errados, mas não.

As peticionantes são muito competentes, têm uma presença que vai muito além daquela que o setor de telecom consegue alcançar. Elas (as peticionantes) têm pessoas de bom nível intelectual e com financiamento que permite usar efetivamente essa força do intelecto na promoção de suas ideias. Além disso, têm uma consciência incomum sobre os meandros da nova composição do governo, o que as deixa em posição ímpar de apreciar a situação.

Ao contrário, as Teles mostraram uma relativa lentidão em apreender e reagir ao avassalador ataque do mundo digital, em particular das Big Tech, sobre os serviços de telecom.

Ao que parece, as Teles sempre foram muito boas em vigiar, se defender e atacar as rivais; seus canhões, em geral, estão apontados para dentro, para seu mercado interno, como se o inimigo fosse apenas endógeno. Não é.

A fome do zero-rating: A ideologia, mesmo quando seu objetivo é (aparentemente) o bem do público, quando começa a ser aplicada a partir dela mesma, pode gerar distorções que vão contra o objetivo inicial.

Quais as razões alegadas para o fim do zero-rating? Se por um lado ninguém fala mais em acordos de gaveta entre as Teles e os provedores de aplicações, volta à tona o argumento de que a Internet deve ser acessada sempre como um todo, uma universalidade. O principal argumento é que o acesso à Internet não deve ser fragmentado, permitindo o acesso somente a algumas poucas e selecionadas aplicações, como Facebook e Whatsapp. A ideia parece boa.

O que não é bom é o tudo ou nada, quando o tudo ou nada pode ser o nada. Às vezes, o pouquinho é melhor do que o nada. É bom dispor da refeição completa, o arroz, o feijão, a carne, a salada, a farofa, a sobremesa e o cafezinho. Para o esfomeado, porém, melhor ter o feijão com arroz do que não ter nada. Sempre lutando pela carne e tudo o mais, mas sem morrer de inanição no processo da luta.

O fim do zero-rating: A razão dada pelas organizações da sociedade civil é que as pessoas ficariam reféns de algumas poucas aplicações, fragilizadas com deficiências informacionais e mais vulneráveis a eventuais manipulações. Até mesmo a questão das fake news e da desinformação foram aventadas para fortalecer o argumento contra o zero-rating. Nesse sentido, o poder das plataformas de propagar notícias falsas aumentaria, caso elas fossem beneficiadas por uma situação de zero-rating.

O argumento inclui, também, a tese do “jardim murado”, que propugna que os usuários acabariam navegando apenas dentro dos limites dos próprios aplicativos, sem possibilidade de obterem notícias e conhecimentos além do muro desses serviços.

Acesso a mais informação é, em tese, útil, ficando o discernimento na mão, ou na cabeça, de quem a recebe. A questão que surge é: quem paga por isso? Certamente, não cabe à Tele, sendo ela um empreendimento que visa o lucro ou algum lucro, subsidiar o mundo todo da Internet para todo mundo o tempo todo.

A não interrupção do “serviço de conexão à internet”: As associações aduzem que o bloqueio do acesso à internet, que é causado pelo “esgotamento do irrisório pacote de dados contratados mensalmente”, inviabiliza o “exercício pleno de uma série de direitos fundamentais”, como o direito à informação, a liberdade de expressão, etc. Que, na média, os pacotes só duram até o 19º dia do mês, após o que o consumidor fica impedido injustamente de continuar navegando pela internet.

Com base no Marco Civil da Internet – MCI, que prevê como objetivo o “direito de acesso à internet a todos”, o que se pretende, no fundo, é que serviços de conexão à rede mundial sejam universalizáveis e tenham preços módicos (ou sejam até mesmo gratuitos), de modo a possibilitar que “todas as pessoas fossem capazes de acessar tudo o que ela (internet) dispõe”, o tempo inteiro, em todo lugar.

Alegam, por fim, que a prática do zero-rating se sustenta justamente nessas ofertas muito limitadas e caras de pacotes de dados, o que termina por alijar a população brasileira do acesso universal à internet. Ou seja, planos caros e com acesso limitado seriam a razão de ser do zero-rating.

Disso tudo depreende-se que a culpa toda, é claro, recai sobre as Teles malvadas.

As Teles e os Aplicativos: Mas… Quem condiciona quem? Quem é o mais forte nesse jogo? Quem depende mais de quem? Será que as Teles escolhem os aplicativos que gozarão do zero-rating por quem paga mais pelo privilégio? Ou seria o inverso, alguns aplicativos se impõem na Internet e, assim, se tornam quase que necessários para os usuários, levando as Teles a não cobrarem pelo seu tráfego?