Notas & Comentários – 03-02-2023

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O refinamento e o livro: Falei dessas coisas de refinamento para realçar a necessidade sine qua non de o livro impresso estar minimamente à altura dos belos Livros de Horas medievais. E foi o que Gutenberg logrou fazer. Sua Bíblia, conhecida como Bíblia de 42 linhas, ou simplesmente B42, foi uma obra-prima capaz de, digamos, competir com esses magníficos Livros de Horas.

Vejamos, abaixo, uma rápida comparação. A Bíblia de Gutenberg de 42 linhas, impressa em Mogúncia em 1455 contém delicado embelezamento manual por um miniaturista (vide abaixo), com flores e folhagens, aves graciosas e até um macaco. O miniaturista pintou também uma enorme inicial P, o P de Parabole Salomonis, razão pela qual uma imagem do rei aparece dentro da inicial. Finalmente, coube ao pintor acrescentar as rubricas (letras vermelhas, rubras, para chamar a atenção do leitor). Notar que não há número de página, nem parágrafo na Bíblia de Gutenberg…

Dessa forma, a Bíblia de 42 linhas de Gutenberg assumiu feições no limiar estético dos Livros de Horas, como na ilustração abaixo, um Serviço Funerário do espetacular Les Très Riches Heures du duc de Berry, o mais célebre dos Livros de Horas.

Livro das Horas do Duque de Berry e Bíblia de 40 linhas de Gutenberg

E vejam que coisa maravilhosa: Gutenberg conseguiu justificar as margens das duas colunas perfeitamente, coisa que os manuscritos medievais não faziam.

O Copista: Nos monastérios, lá estava o copista. Ele levava uma semana para copiar duas páginas, se fossem páginas densamente elaboradas. Para concluir um livro de 1.272 páginas com comentários sobre a Bíblia, dois copistas levavam cinco anos.

O trabalho era tedioso e os copistas estavam sujeitos a cochilos e, pois, a erros.

Eis que no séc. XV existiam projetos de reunificação do Cristianismo, do Ocidente Católico com o Oriente Ortodoxo. E havia pessoas de alto nível intelectual que já sonhavam com livros comuns para toda a Cristandade. De qualquer modo, o mercado parecia grande. Só na região de Mogúncia, terra de Gutenberg, havia 350 monastérios.

Gutenberg pensava num meio de produzir muitos livros idênticos, e sem erros, para uso comum em extensas regiões da Cristandade; seria uma maneira de rentabilizar o negócio do livro impresso…

O Gênio de Gutenberg: Para a criação da imprensa com tipos móveis, todos os elementos já existiam, na época de Gutenberg, mas em estágio não utilizável para Imprensa. Existiam, mas demandavam adaptação e conjugação. Ninguém, entretanto, teve a ideia de aperfeiçoar e combinar as peças. Ninguém acendeu a fagulha que juntou tudo numa coisa nova que mudaria o mundo. Sim, eram necessárias as duas coisas: i) a ideia – ter o conceito claro e o caminho viável; e ii) a realização – transformar, adaptar, criar os apetrechos, os hardwares capazes de imprimir um livro límpido, legível e agradável. De outro modo, não seria um livro vendável.

Havia já, como dissemos, muitos implementos. Havia até a prática de imprimir ilustrações e textos entalhados em blocos de madeira.

Havia papel. Para variar, a China inventara o papel 13 séculos antes de Gutenberg. Mesmo na Europa, já havia fábricas de papel aí pelo ano 1390. E era barato, custando um quarto do preço do pergaminho. Não é de admirar, pois o papel era confeccionado com trapos e farrapos de pano, enquanto o pergaminho se fazia com peles de animais como ovelha e carneiro. Na própria Alemanha já funcionavam uma meia dúzia de fábricas de papel.

Assim, foi necessário o gênio de um Gutenberg para aproveitar o que já existia, aperfeiçoar, experimentar, conseguir o capital, e… fazer.

Os tipos móveis: Johannes Gutenberg passou a infância entre pessoas que sabiam esculpir o metal com extraordinário grau de definição. John Man, em seu livro Gutenberg – How One Man Remade the World with Words, afirma, em 2002, que essa gente conseguia esculpir uma letra que dava uma definição 6 vezes ou mesmo 60 vezes maior do que a de uma moderna impressora a laser…

Os ourives haviam conseguido, já, uma grande definição na escultura de moedas e medalhas, o que constitui um bom antecedente. Mas era necessário mais. Todas (todas!) as letras A de um livro, p. ex., tinham de ser iguais, esculpidas de modo aparecerem idênticas na impressão. Cada letra (tipo) era feita de metal, uma liga de chumbo, estanho e antimônio, que fundia a baixas temperaturas, para permitir rapidez na fundição do tipo, e sua maior durabilidade.

Além disso, o papel existente não era adequado para impressão: Gutenberg teve de alterar sua composição para que o papel não apenas suportasse a pressão da prensa, mas também não produzisse borrões e tornasse desgraciosa a edição. Também, a tinta que servia para escrever num papel não servia para a prensa: Johannes teve de experimentar outras misturas para que a tinta se tornasse aceitável para impressão. Era necessário, ainda, que os tipos já colocados sob a prensa ficassem firmes, e não frouxos, para não borrar a impressão. Tudo isso foi sendo detectado e resolvido por Gutenberg num trabalho minucioso e paciente, por anos.