Notas & Comentários – 25-11-2022

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A Lacuna Legislativa das Big Techs – I: As plataformas digitais compõem um ecossistema que atrai simultaneamente usuários, vendedores, anunciantes de publicidade, desenvolvedores de software, aplicativos, etc. Grande parte dos participantes dependem da intermediação dessas grandes plataformas para se expressar, se relacionar ou alcançar novos mercados.

Muitos desses modelos de negócios nasceram em lacunas legislativas e se impuseram mediante a existência de uma considerável assimetria regulatória e tributária. Em muitos casos, tais assimetrias poderiam até justificar-se, como no caso dos serviços de valor adicionado na segunda metade dos anos 90.

Hoje não é mais assim. Pelo contrário. Situações como efeito de redes, concentração na coleta e tratamento de dados pessoais, economias de escala e escopo na integração de serviço conexos e complementares, tudo isso causa impactos significativos sobre inovação, barreiras de entrada para novos players, privacidade, mercados de imprensa e jornalismo, fluxo da informação e, em última instância, sobre a liberdade política e a democracia. Isso sem falar no próprio poderio econômico (e social) adquirido pelas Big Techs, que deixaram para trás, em termos de valor de mercado, as que outrora brilharam: Exxon Mobil, Walmart, JP Morgan, etc.

A Lacuna Legislativa das Big Techs – II: O vácuo legislativo permitiu um crescimento rápido e inédito dessas Big Techs, com o acúmulo de usuários nos mais variados mercados. Tome-se o Google como exemplo. A empresa tem, hoje, mais de 1 bilhão de usuários em pelo menos 9 de seus serviços: Android, Chrome, Gmail, GoogleSearch, Google Drive, Google Maps, Google Photos, Google Play Store e YouTube.

É também a maior empresa do mundo nos mercados de publicidade digital, de serviços de busca e de oferta de sistemas operacionais para equipamentos móveis. Como se não bastasse, o Google é também um grande provedor nos mercados de Mapas Digitais, e-mail, computação em nuvem, serviços de assistentes de voz, etc.

Em janeiro de 2022, o Facebook tinha 2,9 bilhões de usuários, o YouTube 2,5 bilhões, o Whatsapp 2 bilhões, o Instagram 1,5 bilhões. São números impressionantes, ainda mais se comparados com os de operadoras de telecomunicações, que empalidecem diante disso.

Dificuldades da regulação – I: As dificuldades de regular as Big Techs são enormes. Por várias razões.

Primeiro, as plataformas são o que se chama, na literatura, de firmas invertidas (inverted firms), que transferem a produção de bens e serviços de dentro da empresa para o ecossistema. É um modelo que altera a estrutura organizacional tradicional em razão de incentivos advindos dos efeitos de rede. São “inverted firms” (produção no ecossistema) que prestam vários serviços digitais, utilizando grandes bancos de dados, expandindo os negócios para mercados adjacentes.

Além disso, a combinação de economias de escala e escopo, efeitos de rede, zero-pricing (custo aparente zero para o consumidor), e a aplicação de vieses comportamentais criam uma nova dinâmica que: (a) reduz a competição; (b) concentra poder econômico num modelo “winner-takes-all”.

Dificuldades da regulação – II: Uma das principais dificuldades é que os consumidores não entendem mercados digitais como entendem um mercado comum. De fato, esse mercado digital possui peculiaridades importantes. Primeiro, a troca não é a tradicional, de bens e serviços por dinheiro, mas de bens e serviços por dados. Tais dados são coletados, agregados e formam um mosaico completo das opções, preferências, hábitos e valores da pessoa. Curioso notar que até anos atrás isso constituiria um escândalo, uma invasão de privacidade inadmissível.

Por isso, o impacto sobre os usuários deve ser medido não pelo preço, mas por outros fatores mais subjetivos, como redução da qualidade do serviço, da privacidade, da oferta reduzida ou menor variedade de produtos e serviços e pelo impacto na inovação.

Depois, trata-se de um mercado de dois lados, ou múltiplos lados. São mercados que congregam dois ou mais grupos de consumidores, em que esses consumidores dependem uns dos outros. Nesse caso, há uma dificuldade na interação entre estes grupos, que é facilitada pela plataforma, gerando-se valor na concretização da relação entre os consumidores.

Plataformas não são Business as Usual?: Por outro lado, um dos argumentos mais usuais contra uma regulação é o de que as atividades das plataformas não passam de uma nova roupagem para velhos tipos de negócios. De que nada há de novo no horizonte.

O argumento de que os mercado digitais não são diferentes de outros mercados é construído assim: (i) os consumidores se beneficiam de preços mais baixos e ótimos produtos e serviços (aferição da concorrência pelo preço); (ii) as barreiras à entrada são baixas em mercados movidos a dados (qualquer um poderia montar um aplicativo e concorrer com as plataformas); (iii) dados estão em todo lugar, não constituindo recurso escasso ou um bem rival (o fato de as plataformas usarem os dados não os torna exclusivos ou inacessíveis para os concorrentes).

Não obstante esses argumentos, as plataformas possuem, sim, diversas características específicas que demandam uma abordagem regulatória ad hoc. E eis que chega o PL 2768/2022 do dep. João Maia, esse parlamentar que tem oferecido ao Brasil projetos tão relevantes. Oxalá o PL não seja capturado por interesses econômicos ou políticos menores.