Notas & Comentários – 28-10-2022

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Entra a fotografia: Na mesma época da invenção do telégrafo, foi inventada a fotografia. Começava a terceira fase da Revolução da Informação. A primeira foi a Escrita (com o alfabeto); a segunda, a Imprensa (com os tipos móveis de Gutenberg); a terceira… bem, esta não vai terminar tão cedo: iniciada no séc. XIX, estende-se até hoje.

Daniel Boorstin diretor da Biblioteca do Congresso Americano nos anos 1990, chama a isso de ‘Revolução Gráfica’. A fotografia provocou uma intrusão maciça no mundo simbólico. A nova imaginária – com impressos, posters, desenhos, propaganda, mas sobretudo fotografia – constituiu não apenas um suplemento à linguagem escrita, mas começou a substituí-la, como a maneira dominante de articulação, entendimento e verificação da realidade. Ao final do séc. XIX, marqueteiros e donos de jornal entenderam que uma imagem valia não apenas mil palavras, mas muitos milhares de dólares.

Numa outra vertente, mil imagens, em vez de valer um milhão de palavras, podem não valer nada, especialmente se imagens do mesmo objeto. É a maldição do vulgar.

No Século XX: A quantidade de informação disponível por via de palavras e imagens cresceu exponencialmente. Sob liderança da telegrafia e da fotografia, surgiu um novo conceito de informação. A informação já não precisava ter nexo, ficou solta, sem um contexto; tratada pontualmente, desprezando a continuidade histórica. Tornou-se mais importante fascinar, comover do que expor argumentos complexos ou tentar ser coerente. E aí…

Aí chega o quarto estágio da Revolução da Informação, a Radiodifusão. E, mais tarde, o quinto, a tecnologia do computador (no vocabulário dos anos 1990…). A Internet coroaria tudo. A radiodifusão e o computador abriram novas maneiras de informação, fazendo jorrar cachoeiras de informação, a uma velocidade inimaginável. Mas isso é outra história.

Marx ultrapassado: Marx, coitado, achava que os trabalhadores conquistariam o poder pela revolução, a partir da luta de classes. Errou. O poder foi conquistado pelo domínio da informação. Ninguém mais defende o trabalhador; e o trabalho migrou de país ou acabou. O desaparecimento do trabalho é submerso pela avalanche de informação e pela voz inaudível dos sindicatos.

Nesse ambiente, a tecnologia é usada não para ajudar o trabalhador, não para reduzir a ignorância ou a superstição, ou o sofrimento, mas para que nos acomodemos aos requisitos das novas tecnologias controladoras da informação.

Tecnologia – um Amigo peculiar: Olhando da perspectiva de hoje, é fácil entender que existe um antagonismo entre tecnologia, de um lado, e todos, do outro. Ainda que nem todos percebam. E o maior problema é que muitos percebem a tecnologia como um grande amigo. Postman dá duas razões para isso: ‘primeiro, tecnologia é, de fato, um amigo; torna a vida mais fácil: que mais se poderia pedir a um amigo? Mas, segundo, devido à relação íntima, duradoura e inevitável da tecnologia com a cultura, as pessoas não consideram as consequências’.

Sim, a tecnologia é um amigo, prossegue Postman (escrevendo em 1993!), mas um amigo que demanda confiança e obediência, que a maioria… está disposta a dar. Afinal, os dons da tecnologia são abundantes. Há porém um outro lado, um lado obscuro nessa amizade: o custo é alto. ‘Expresso de forma dramática, pode-se dizer que o crescimento descontrolado da tecnologia destrói as forças vitais de nossa humanidade. Pois cria uma cultura sem uma fundação moral. Solapa certos processos mentais e relações sociais que fazem valer a pena viver. A Tecnologia, em suma, é um amigo e um inimigo.’

Algumas palavras sobre Neil Postman (1931-2003): Nunca ninguém dissertou com tanta clarividência sobre as tecnologias da informação como Postman. E é curioso, pois ele, que recebeu tantas homenagens na Internet ao falecer, ele nunca usou a internet, não possuía computador e nem mesmo usava máquina de escrever. Seus 20 livros e mais de 200 artigos foram todos escritos à mão…

Professor de Ecologia da Mídia na Universidade de Nova York, ele ficou indignado com o gasto de bilhões de dólares na década de 1990 para conectar todas as salas de aula americanas à internet: “Por quê? Há evidências claras de que as crianças aprendem melhor quando têm acesso à internet? A resposta é não.”

Ao longo de sua carreira, Postman se opôs às ilusões da moda, como a ideia de que a revolução da informação seria uma panaceia. “Se crianças morrem de fome na Etiópia, isso ocorre por falta de informação?” ele perguntou a uma convenção de cientistas da computação, em 1990. “O racismo na África do Sul existe por falta de informação? Os sistemas de informação não podem responder a nenhuma das questões fundamentais que precisamos para tornar nossas vidas mais significativas e humanas.”

Postman – o professor sem medo: Em 1994, Postman publicou The Disappearance of Childhood, livro em que argumentava que a televisão era antitética ao estudo e à pesquisa e atrapalhava o pensamento crítico. A TV dava demasiada informação às crianças e borrava a fronteira entre a infância e a idade adulta. Pais e filhos estavam vendo as mesmas coisas, jogando os mesmos jogos.

Postman foi um dos poucos críticos proeminentes de “Vila Sésamo”, o programa de televisão educacional pioneiro para crianças em idade pré-escolar que aprendiam o ABC e a contar, com personagens e desenhos animados, com música cativante. Postman sustentou que o programa, ao satisfazer o apetite por entretenimento, ensinou as crianças não a amar a escola, mas a amar a TV. “Agora sabemos que ‘Vila Sésamo’ encoraja as crianças a amar a escola apenas se a escola for como ‘Vila Sésamo”.

Enfim, Postman queria entender – e entendeu – como a estrutura do sistema de comunicação molda as pessoas, a cultura, nossa humanidade.