Notas & Comentários – 25-08-2023

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Os dois riscos: Ao longa da história judicial da Cláusula de Igualdade de Proteção (14ª Emenda à Constituição americana), ficou estabelecida a necessidade de evitar dois riscos.

O primeiro, o risco de que o uso do critério da raça se transforme em algo “ilegítimo… estereotipando pessoas.” Os programas de admissão à Universidade de Havard não poderiam, portanto, operar com base na “crença de que os estudantes pertencentes a minorias sempre (ou mesmo consistentemente) expressam algum ponto de vista característico da minoria sobre qualquer questão”. Ou seja, não pode presumir que todo negro pensa ex atamente da mesma forma; todo asiático pensa da mesma forma. Raça não constitui um bloco de pensamento: cada homem é um indivíduo, senhor de seu livre-arbítrio, e pensa com o quer.

Nesse sentido, a Suprema Corte deve ter tido em mente um episódio na história americana recente em que um negro foi publicamente acusado de não ser negro porque apoiava uma tese (https://www.nytimes.com/2020/05/22/us/politics/joe-biden-black-breakfast -club.html) que se supunha um negro não poderia apoiar… A Suprema Corte não tolera esse tipo de esteriotipação com base na cor da pele.

O segundo risco é o de que a raça seja usada não como um ponto positivo, mas como um negativo – para discriminar os grupos raciais que não são os beneficiários da preferência baseada na raça. O uso de raça por uma universidade, portanto, não poderia ocorrer de maneira que “prejudicasse in devidamente candidatos não pertencentes à minor ia ou raça preferida”.

Mas, como? A justiça é complexa na sua simplicidade.

Havard não passou nos teste s da Estereotipação e do Negativo: Os sistemas de admissão de Havard baseados na raça, decidiu a Suprema Corte, falham em cumprir os comandos da Equal Protection Clause porque:

– o critério de raça funcionou como um estereótipo , e

– foi usado como “negativo”.

Ora, uma corte inferior concluiu que a consideração racial de Harvard resultou em menos admissões de estudantes asiático – americanos. Ou seja, a afirmação da Universidade de que a raça nunca é um fator negativo em seus programas de admissão não resiste ao escrutínio. As admissões em faculdades são de soma zero, e um benefício fornecido a alguns candidatos, mas não a outros, necessariamente beneficia os primeiros em detrimento dos
segundos.

Um privilégio sem fim? O uso d e critérios baseados em raça pela universidade, portanto, não poderia ocorrer d e maneira que prejudicasse indevidamente aplicantes de outras raças ou minorias. Para administrar essas preocupações, às vezes difíceis de conciliar, a Suprema Corte impôs, em Grutter v. Bollinger, 539 U.S. 306 (2003) , que deveria haver um limite temporal, final, aos programas de admissão baseados em raça: em algum momento, o Tribunal sustentou, eles devem ter fim.

Nesse sentido, as universidades argumentaram que as avaliações frequentes que conduzem para determinar se as preferências raciais ainda são necessárias evitam a necessidade de um ponto final ao sistema de raças para admissão. “Mas a Suprema Corte nunca sugeriu que uma revisão periódica pode tornar constitucional uma conduta inconstitucional.”

O teste da exceção: A Décima Quarta Emenda à Constituição americana comporta, claro, exceção, mas é exigente nesse ponto. Para a Suprema Corte, q ualquer exceção à garantia da Cláusula de Igual Proteção tem de passar pelo escrutínio duríssimo de duas etapas conhecido como “escrutínio estrito” (“strict scrutiny”). Nesse sentido é necessário mostrar que:

  • a classificação racial é usada para “promover um interesse governamental realmente importante”; e
  • o uso da raça pelo governo é “estritamente dimensionado” para atingir esse interesse, e nada mais.

Havard tampouco passou nesse escrutínio de exceção.

Decisão da Suprema Corte: “Como os programas de admissão de Harvard e da University of North Carolina

– carecem de objetivos suficientemente focados e mensuráveis que justifiquem o uso da raça;

– inevitavelmente empregam a raça de maneira negativa;

– envolvem estereótipos raciais, e

– carecem de datas finais para deixarem de ser aplicados,

esses programas de admissão não podem ser conciliados com as garantias da Equal Protection Clause da Constituição”.

“Muitas universidades concluíram erroneamente por muito tempo que a pedra de toque da identidade de um indivíduo não são os desafios superados, as habilidades construídas ou as lições aprendidas, mas a cor de sua pele. A história constitucional desta Nação não tolera essa escolha”.

No dizer jurídico americano, o case Students for Fair Admissions, inc. v. President and Fellows of Harvard College passa para a história como uma Landmark Decision.

A Suprema Corte americana muitas vezes age como moderador a de um certo movimento pendular das paixões políticas do país, dos preconceitos de seus cidadãos, da busca indevida de vantagens por certas pessoas e classes. Essa moderação está no âmago da vida civil americana. E é isso que se espera de uma Corte Suprema.