Notas & Comentários – 12-04-2024

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Fugir ou não fugir: Viktor Klemperer, um judeu não-praticante convertido ao protestantismo, professor na Universidade de Dresden, deixou um diário importante para compreensão do horror nazista. Niall Ferguson escreve em seu artigo que comentamos há já algumas Notas: “Muitos judeus emigraram; a maior parte, entretanto, sem imaginar a dimensão do mal, ficou na Alemanha. Interessante notar que, para Klemperer, a emigração – muito menos para a Palestina, o ‘lar nacional para o povo judeu’ estava fora de questão. Teria sido uma admissão de que os nazistas tinham razão: que ele era de fato judeu, e que não era alemão”. Klemperer mantinha uma mente lógica – mas a lógica do mal é ilógica: “A solução para a questão judaica só pode ser encontrada libertando-nos daqueles que a inventaram.” Klemperer abandonara a religião, mas o nazismo o encurralou como judeu. E ele reagia como judeu.

“Foi este tipo de raciocínio que o convenceu e a muitos outros judeus a permanecerem na Alemanha até que já não era possível ir embora. Alguns escolheram, tragicamente, o suicídio – p, ex., o linguista de Marburg, Hermann Jacobsohn, que se jogou debaixo de um trem. No final, Klemperer evitou a deportação para os campos de extermínio apenas por causa do bombardeio da Royal Air Force em Dresden, em fevereiro de 1945, que lhe permitiu arrancar a estrela amarela e permanecer escondido até a rendição alemã.”

“Klemperer permaneceu em Dresden após a ocupação da Alemanha Oriental pelos soviéticos. Não demorou muito para que ele começasse a notar semelhanças entre a linguagem da nova República Democrática Alemã apoiada pelos soviéticos e a do Terceiro Reich. Tal como Hannah Arendt e George Orwell, Klemperer compreendeu que o totalitarismo, da direita ou esquerda, tinham características fundamentalmente semelhantes. Em particular, adoravam impor novilíngua àqueles que subjugavam.

Pausa para Zweig: Cabe aqui dizer algumas palavras sobre Stefan Zweig (1881 – 1942), esse grande escritor judeu, romancista, poeta, dramaturgo e biógrafo austríaco. O escritor mais vendido no mundo nos anos 1920 e 1930. Leitura agradabilíssima. Li dele, com grande gosto, Maria Antonieta, Fouché, Mary Stuart, Grandes Momentos da Humanidade… Li também a biografia que dele escreveu Alberto Dines (1932-2018) – Morte no Paraíso (Nova Fronteira, 1981).

Tenho as Obras Completas de Stefan Zweig, capa dura, adquiridas por meu pai quando vendedores de livros passavam nas casas…

Zweig amou o Brasil: era diferente da “mesquinha Europa”. Por isso, estudou nosso povo e nossa história, e escreveu o livro “Brasil, País do Futuro”. Por isso, um escritor brasileiro, comentou que Zweig acabaria mudando seu nome para Estêvão (Stefan) Ramos (Zweig). Teve de deixar o Velho Continente devido à perseguição nazista aos judeus; foi para a Inglaterra, passou pelos Estados Unidos e, por fim, resolveu fixar-se no Brasil, que o acolheu.

Os livros de Zweig foram queimados na Alemanha.

Amok, livro de Zweig, queimado pelos nazistas numa fogueira de livros em 1933, mas salvo das chamas: os grandes autores não podem morrer assim.

Zweig, cidadão do mundo, era um europeu, antes de tudo, inclusive antes de ser judeu. Como Klemperer. Os pais de Zweig eram judeus e, mesmo não sendo praticante, jamais desdisse do judaísmo.

A Morte de Zweig: Em 22 de fevereiro de 1942, deprimido com o crescimento da intolerância e do autoritarismo na Europa e sem esperanças no futuro da humanidade, Stefan Zweig talvez tenha pressentido que o Brasil também entraria na Guerra: fazia apenas quatro dias que os alemães haviam afundado o primeiro navio brasileiro. Para um pacifista convicto desde a hecatombe da Primeira Guerra Mundial, o Brasil também entrar na guerra era algo insuportável, intransponível para ele. Ainda faltava um ano para a vitória soviética em Stalingrado… Stefan Zweig escreveu uma carta tocante de despedida e suicidou-se com a esposa, Lotte, com uma dose fatal de barbitúricos, em Petrópolis.

A notícia de sua morte chocou tanto os brasileiros quanto seus admiradores de todo mundo. O casal foi sepultado no Cemitério Municipal de Petrópolis, de acordo com as tradições fúnebres judaicas (havia atenuantes para o suicídio dele).

A casa onde o casal cometeu suicídio é, hoje, um centro cultural dedicado à vida e à obra de Stefan Zweig.

Depois desta longa noite” … Em uma nota de despedida, Zweig escreveu:

Cada dia eu aprendi a amar mais este país e não gostaria de ter que reconstruir minha vida em outro lugar depois que o mundo da minha própria língua se afundou e se perdeu para mim, e minha pátria espiritual, a Europa, destruiu a si própria.

Mas para começar tudo de novo, um homem de 60 anos precisa de poderes especiais e meu próprio poder desgastou-se após anos vagando sem um lugar de descanso. Por isso, prefiro terminar a minha vida no momento certo, como um homem cuja obra cultural foi sempre a mais pura de suas alegrias e também a sua liberdade pessoal – a mais preciosa fruição neste mundo.

Deixo saudações a todos os meus amigos: talvez vivam para ver o nascer do sol depois desta longa noite. Eu, mais impaciente, vou embora antes deles. – Stefan Zweig, 1942.

Nos leitores ele deixou saudades, que seus livros exacerbam.

Nota do Le Petit Parisien, jornal, na França ocupada pelos nazistas, sobre a morte de Zweig, “o escritor judeu”. Se o jornal tivesse dito “o grande escritor”, “o maior vendedor de livros das últimas duas décadas”, teria sido mais preciso. E não morreu no Rio de Janeiro, nem tomando propriamente um veneno…

Primo Levi, Escritor, como Zweig, judeu como Zweig. Mas Levi não fugiu: as coisas eram, digamos, mais tranquilas na Itália. Levi só foi preso quando os alemães ocuparam o Norte da Itália, mas o campo de concentração era administrado por italianos… Quando o campo foi tomado pelos nazistas, Primo Levi foi deportado para o complexo de extermínio de Auschwitz. Formado em Química, Levi foi destacado para trabalhar na fábrica da IG Farben, ao lado de Auschwitz, o que, ao abrigo da intempérie, lhe salvou a vida. O Exército Vermelho liberou Auschwitz em 27.1.1945; dos 650 judeus italianos no campo, Levi foi um dos 20 que sobreviveram.

Porém, Primo Levi só chegou em Turim, em outubro de 1945, após uma temporada num campo soviético para ex-prisioneiros de campos de concentração. Em seu livro La Tregua ele conta essa longa viagem de volta à Itália, de trem, cruzando com milhões de pessoas vagando sem teto, sem família, sem lar, sem nada. Mas apegados ao dom da vida.

Em 1946 Levi começou a fazer poesia sobre sua experiência em Auschwitz. Como conseguia?! Em Se questo è un Uomo (É isto um Homem, na edição brasileira) Levi quis que o povo alemão compreendesse o horror perpetrado em seu nome.

Em 1963, Levi teve sua primeira grande crise de depressão. Em 11 de abril de 1987, angustiado com o aspecto cadavérico de sua mãe, sofrendo de câncer, o que lhe fazia lembrar o semblante dos companheiros no campo de concentração, Primo Levi ligou para o Rabino-chefe de Roma. Dez minutos depois, Primo Levi caiu de seu apartamento e morreu. A perícia indicou suicídio. Mas…

Mas Elie Wiesel, Prêmio Nobel da Paz e sobrevivente do Holocausto, declarou: “Primo Levi morreu em Auschwitz quarenta anos depois.”

A noite do antissemitismo nazista foi muito além da derrota na Guerra, em 1945. Terá amanhecido?