Notas & Comentários – 26-4-2024

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Marco Civil da Internet e a Responsabilidade das Big Techs: O Marco Civil da Internet – MCI estabelece, como regra, que os provedores de aplicações de internet (Big Techs, no caso) somente serão responsabilizados por conteúdos de terceiros, em suas plataformas, caso descumpram ordem judicial que determine a remoção desses conteúdos. A única exceção é a chamada “vingança pornográfica”, que exige a retirado do conteúdo mediante mera notificação do ofendido à plataforma.

A ideia, quando da elaboração do MCI, era a de proteger a liberdade de expressão dos usuários e a livre iniciativa das empresas de internet. Fossem as Big Techs responsabilizadas (subsidiária ou solidariamente) por conteúdos ofensivos de terceiros, haveria um enorme incentivo à remoção indiscriminada (chilling effect), pelas Big Techs, dos mais variados pontos de vista e discursos que pudessem soar ofensivos. Num mundo hipersensível e que reputa qualquer
discordância como “ofensa”, não é difícil prever que o modelo de negócios das Big Techs não seria sustentável, com um approach desses. A própria liberdade de expressão sofreria.

Big Techs: Desintermediação? Quando surgiram, ao final dos anos 90 e início dos anos 2000, as Big Techs vieram como o sopro de esperança na descentralização da expressão. Dominada há quase um século pela imprensa escrita, pelo rádio, produtoras de cinema, editoras e, depois, também pela TV, a expressão era enclausurada, estrangulada por uns poucos meios de expressão, que detinham, à época, a infraestrutura (papel, prensa, estúdios, espectro de
radiofrequência e equipamentos) e os demais meios que possibilitavam a difusão do discurso. Era discurso de um para muitos.

O surgimento das Big Techs quebrou esse paradigma e deu voz ao cidadão obscuro e mudo, ao espectador surdo da última fila do cinema – para usar uma expressão de Joseph Schumpeter. Era a esperança de que todos poderiam participar do jogo democrático, com possibilidades de falar direta e quase irrestritamente a todos os outros, com maiores chances de ressoar suas ideias na algaravia dos debates contemporâneos. Era discurso de muitos para muitos. Seria a tão sonhada desintermediação da expressão? Não foi.

Big Techs: Reintermediação. Por várias circunstâncias, como a economia de redes, o modelo das plataformas consagrou-se num viés de winner takes all: ou se domina o mercado ou se morre. Em outras palavras, quem não for suficientemente competente para monopolizar o mercado, sucumbe. Pouquíssimas empresas passaram a controlar o fluxo das informações, dos discursos, e se tornaram capazes de reduzir o alcance de determinadas postagens, de desmonetizar o canal de certas pessoas, e, enfim, de excluir pessoas das respectivas plataformas. Tudo, segundo regras próprias que as Big Techs podiam criar e alterar como quisessem, quando quisessem. Antigamente, esse era um poder soberano do Estado que, se democrático, o aplicaria com circunspecção, sob controle dos checks and balances. Eis que a presunção, a arrogância, a linha editorial político-ideológica e a cupidez financeira de um punhado de pessoas – os donos das Big Techs – passaram a moldar a expressão.

Além disso, o tratamento massivo de dados pessoais, a grande capacidade de armazenar esses dados, e analisá-los e extrair deles informações sensíveis sobre as finanças, a saúde, as preferências políticas, filosóficas, religiosas e até de diversão dos usuários, sua localização e deslocamentos e, a partir daí, influenciar processos políticos e eleições: tudo isso é resultado da reintermediação e do gigantesco poder concentrador dos novos intermediários da informação – as Big Techs.

Big Techs e Governos: É claro que as Big Techs sabem navegar nesses mares. As regras são escassas; e às vezes são apenas regras concebidas pelas próprias Big Techs. E, claro, regras interpretadas pelas Big Techs, e por elas alteradas.

Não é difícil que uma empresa que domina o fluxo de informação – uma Big Tech – descubra itens, políticas, desejos, ideias de Governos que os próprios Governos não conseguem fazer avançar, seja pela ilegalidade óbvia demais, seja por vergonha, mas… a Big Tech pode.

Quem controla a informação, molda mentes desinformadas, mesmo as que se considerem informadas; as ingênuas, mesmo as que se achem espertas; as incultas, mesmo as que se julguem doutas.

As Big Techs se tornaram o ente mais importante nos países, numa rápida subversão dos pressupostos de toda a estrutura legal, da nacionalidade e soberania dos países. Em geral, as Big Techs têm mais poder que qualquer dos Três Poderes, ou dos três juntos.

E, assim, os pressupostos da antiga ordem, que punham o Governo eleito pelo povo acima de tudo, os pressupostos vacilam e desmoronam.

As Big Techs e a velocidade: Sim, os pressupostos que garantiam a estabilidade das leis, a ordem das hierarquias com o povo (soid isant) no topo, esses pressupostos não valem mais.

As estruturas do Estado, porém, são as mesmas. Mudar leis é um processo longo, com o embate das visões e interesses os mais diversos. Mas as Big Techs têm uma só grande visão e um só grande interesse dominante: dominar. Dominar para enriquecer. E prosseguem nessa trajetória com a velocidade da luz.