Caros,
Mentir é um elemento básico da política. Como dizia Clemenceau: “nunca se mente tanto como antes de uma eleição, durante uma guerra e depois de uma pescaria”. Mentir é um apanágio do homem, em especial do político, infelizmente.
Mas antigamente a mentira atingia um pequeno número de incautos eleitores, nos comícios e mesmo nos jornais e rádios e TVs. Às vezes a única coisa verdadeira era o nome do candidato.
Assim, as preocupações do TSE fazem sentido, em geral. Há, porém, um dispositivo nas regras do TSE pelo qual as Big Techs estarão sujeitas à responsabilidade solidária também na hipótese “de comportamento ou discurso de ódio, inclusive promoção de racismo, homofobia, ideologias nazistas, fascistas ou odiosas contra uma pessoa ou grupo por preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade, religião e quaisquer outras formas de discriminação”. Soa demasiado duro e injusto, mesmo para as Big Techs. E demasiado vago, mesmo para uma inteligência artificial.
Assim, as seguintes indagações parecem pertinentes:
– As regras se aplicam também fora do processo eleitoral?
– A resolução, como norma infralegal, poderia inovar, contrariando diretamente uma lei, o Marco Civil da Internet – MCI?
– Exigir das Big Techs o monitoramento pró-ativo e preventivo de qualquer conteúdo que possa eventualmente violar certas hipóteses de risco não criaria incentivos distorcidos e perversos para a remoção indiscriminada de expressão ou discurso legal (chilling effect)?
– Por que a resolução inclui entre os discursos de risco o nazismo e o fascismo (como pertinente), mas não o comunismo? Sem contar as guerras, o número de pessoas mortas pelos governos comunistas, ascende a mais de 94 milhões. O nazismo matou menos, 17 milhões, porque durou menos. Mas são duas maldades infinitas.
O TSE e a responsabilidade das Big Techs: Eis que o Tribunal Superior Eleitoral – TSE, inconformado pela inação dos parlamentares (inação cujo significado político parece claro), resolve criar, em instrumento infralegal, um microssistema jurídico de responsabilização das plataformas para o processo eleitoral.
Bem, o Congresso é lento e Tribunais podem ser rápidos, em certos casos. No novo mundo, os poderes se invadem uns aos outros, mas principalmente os que têm governança mais expedita, e processo decisório mais ágil, invadem mais.
O TSE restringe, por exemplo, o uso da inteligência artificial na propaganda eleitoral e cria inúmeras obrigações de transparência para conteúdo político-eleitoral veiculado nos provedores, tudo isso com a previsão de imposição de multa administrativa pelo Tribunal em casos de descumprimento.
A intenção asséptica do Tribunal é aparentemente boa, mas só confirma que a antiga ordem institucional, feita para a velocidade das carruagens não mais se aplica para a velocidade dos cliques.
O TSE e a responsabilidade das Big Techs – II: O dispositivo, no entanto, que mais causa perplexidade (independentemente das razões e intenções que o motivaram), é o que cria hipóteses de responsabilidade solidária (civil e administrativa) entre as Big Techs e usuários autores de postagens ofensivas, mesmo sem ordem judicial prévia ou sem notificação prévia ou denúncia de terceiros.
São casos em que o TSE considera haver risco exacerbado, como “condutas, informações e atos antidemocráticos”, a “divulgação ou compartilhamento de fatos notoriamente inverídicos ou gravemente descontextualizados”, ou a “divulgação ou compartilhamento de conteúdo fabricado ou manipulado por tecnologias digitais, incluindo inteligência artificial”. Embora um tanto vagas e potencialmente subjetivas, ao menos a aplicação dessas hipóteses ainda se restringe expressamente ao âmbito eleitoral.
Mas é grave.
Só para ilustrar a situação: mentir é – infelizmente – um elemento básico da política. Como dizia Clemenceau: “nunca se mente tanto como antes de uma eleição, durante uma guerra e depois de uma pescaria”. Mentir é um apanágio do homem, em especial do político. Ao que parece, vivemos sempre num estágio antes de eleição, a vida é uma guerra perene, e o lazer é uma eterna pescaria.
Por outro lado, antigamente (i.e., até uns 20 anos atrás) a mentira atingia um pequeno número de incautos eleitores, nos comícios e mesmo nos jornais e rádios e TVs. Até mesmo nos “santinhos” e volantes. Muitas vezes a única coisa verdadeira ou factual mesmo era o nome do candidato. Bem, as regras permanecem as mesmas ainda agora, no mundo digital. O Congresso, de natureza lenta, de debates e ponderações intermináveis, de discursos sem audiência, o Congresso não legisla – aí o Judiciário, o guardião do Direito, se acha no direito de legislar, sendo que assim é difícil legislar direito.
O TSE e a responsabilidade das Big Techs – III: As preocupações do TSE fazem sentido, em geral. Há, porém, uma previsão que gera algumas indagações (art. 9º-E, inciso III). Por esse dispositivo, as Big Techs estarão sujeitas à responsabilidade solidária também na hipótese “de comportamento ou discurso de ódio, inclusive promoção de racismo, homofobia, ideologias nazistas, fascistas ou odiosas contra uma pessoa ou grupo por preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade, religião e quaisquer outras formas de discriminação”.
É demasiado duro e injusto, mesmo para as Big Techs. E é demasiado vago, mesmo para uma inteligência artificial.
As seguintes indagações parecem pertinentes:
(i) A hipótese se aplica também fora do processo eleitoral? Diferente das outras hipóteses de risco enumeradas na resolução do TSE, nesta não há circunscrição expressa ao âmbito eleitoral;
(ii) A resolução, como norma infralegal, não deveria limitar- se a apenas “regulamentar e sem restringir direitos ou estabelecer sanções distintas das previstas nesta Lei (9.504/1997)” as instruções necessárias para a fiel execução das eleições, nos termos do art. 105 da própria Lei 9.504/1997?;
(iii) A resolução, como norma infralegal, poderia inovar, contrariando diretamente uma lei, o Marco Civil da Internet, que estabelece um sistema de responsabilidade subsidiário e condicionado ao descumprimento de uma decisão judicial? (O MCI foi exagerado em favor das Big Techs em vários aspectos, mas lei é lei).
(iv) Exigir das Big Techs o monitoramento pró-ativo e preventivo de qualquer conteúdo que possa eventualmente violar essas hipóteses de risco não criaria incentivos distorcidos e perversos para a remoção indiscriminada da expressão ou discurso legal (chilling effect)?
(v) Por que a resolução inclui entre os discursos de risco o nazismo e o fascismo (como deveria ser), mas não o comunismo? O comunismo está protegido pela liberdade de expressão ao passo que o nazismo e o fascismo, não? Algum autoritarismo exacerbado permite complacência?
Ainda que cada vida seja um bem imensuravelmente grande, o número de pessoas mortas pelos governos comunistas, fora as mortes nas ações de guerra propriamente, ascende a mais de 94 milhões. Esse número inclui mortes através de execuções, fome (só na Ucrânia foram 6 milhões de mortos de fome por deliberação stalinista), deportações e trabalho forçado (The Black Book of Communism: Crimes, Terror, Repression. Harvard University Press).
O Nazismo matou 17 milhões de pessoas, dos quais 6 milhões de judeus. Matou menos porque durou menos.