Notas & Comentários – 28-06-2024

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Os concursos da arte: Houve dois grandes concursos em Florença, naquele início de séc. XV: as Portas do Batistério e a Cúpula da Catedral. E havia dois grandes candidatos para os dois casos: Lorenzo Ghiberti e Filippo Brunelleschi. E nos dois casos a decisão foi difícil. Ao final, Ghiberti esculpiu as Portas do Batistério, que Michelangelo, enlevado, denominou de As Portas do Paraíso, e Brunelleschi construiu a Cúpula da Catedral de Florença, esse feito sublime que nos maravilha a todos ainda hoje.

Vamos ver como essas coisas se passaram.

 

O Júri entre Brunelleschi e Ghiberti: As peças submetidas ao júri por Lorenzo Ghiberti e por Filippo Bruneleschi subsistem – o que é admirável, pois bronze era caro; as dos outros cinco competidores foram derretidas e provavelmente reutilizadas ao longo do tempo. Os quadrifólios de Brunelleschi e Ghiberti (43 x 33cm), obras-primas da Renascença, pela beleza, pela expressividade, encontram-se atualmente expostas no Museu do Bargello, em Florença.

À esquerda, o quadrifólio de Bruneleschi, mais dramático, com o anjo subitamente saindo do céu e segurando o braço de Abraão; já lá está o Cordeiro que será sacrificado no lugar de Isaac. Para os Padres da Igreja, o sacrifício de Isaac prefigurava o do Cristo: filho único, o cordeiro do sacrifício, etc. O trevo de quatro folhas de Ghiberti é mais sereno e talvez mais elegante; o anjo ainda nem conteve Abraão. Isaac se sentiria mais seguro com Brunelleschi…

Em Ghiberti, a escultura é uma peça única, exceto por Abraão; em Brunelleschi, são peças individuais pregadas: não apenas Ghiberti usa 7kg menos cobre, como sua escultura é mais resistente.

 

A Short List: Ghiberti, cultivando o networking, pediu opinião de vários artistas e escultores, alguns das quais depois se tornaram juízes do concurso, e se dispôs a acomodar as sugestões deles, e mesmo refundir a peça, se fosse o caso. Já Brunelleschi não falou com ninguém, como era seu estilo. Trabalhava sozinho e não anotava o que estava fazendo, salvo em cifras – para defender seus métodos e criações numa época em que ainda não existia propriedade intelectual, nem patente.

Rapidamente, foram descartados 5 dos 7 concorrentes; ficaram Ghiberti e Brunelleschi. Realmente, era difícil escolher entre esses dois jovens gigantes. Ainda hoje, artistas e historiadores de arte se dividem. Talvez por isso as duas amostras tenham sobrevivido à enorme tentação de serem fundidas para feitura de outras peças ou de canhões, mesmo sendo o bronze muito caro. Um antiquário e colecionador florentino do séc. XVI, Francesco Albertini, recomendava aos ourives que aspirassem à imortalidade em suas obras, e, pois, jamais fundirem o bronze a uma espessura maior do que a lâmima de uma faca, para que não fossem derretidas depois, por motivos utilitários mundanos ou bélicos.

(Vídeo instrutivo sobre os painéis de Ghiberti e Brunelleschi: https://www.youtube.com/watch?v=8qivmAur1-k )

 

O Veredito do Concurso: Ficaram, pois Bruneleschi e Ghiberti. Lorenzo Ghiberti foi dado como vencedor. As duas provas eram igualmente belas, mas a peça de Ghiberti era talvez mais bem organizada, e… mais econômica em bronze. Sim, uma das razões da vitória de Ghiberti pode ter sido orçamentária: ele usou menos bronze, o que, ao final, gerava uma grande economia para a cidade.

Numa biografia de Brunelleschi, escrita 80 anos após o fatos, Antonio di Tuccio Manetti, afirma que os juízes, incapazes de decidir entre os dois, pedem que trabalhem juntos… Mas Brunelleschi recusa – queria a obra inteira para ele – e perdeu o contrato. Ghiberti alega que ganhou por unanimidade (talvez, acrescento, depois de Brunelleschi não aceitar trabalhar em conjunto com Ghiberti).

 

A erudição de Brunelleschi: Em seu quadrifólio, Brunelleschi mostra o enorme conhecimento das obras clássicas: ele incluiu em sua peça, um Spinario, um jovem concentrado a retirar um espinho do pé, copiando uma escultura helenística do séc. I, a.C., atualmente nos Musei Capitolini, Roma (abaixo à esquerda).

Napoleão, o maior espoliador de arte de todos os tempos, levou o Spinario para o Museu Napoleão (depois, chamado de Louvre, em 1798, junto com outras inúmeras obras de arte italianas. Após sua derrota em Waterloo, muitas dessas obras retornaram à Itália.