Notas & Comentários – 23-08-24

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O problema de Chevron: Fundamentalmente, grande parte do
poder da FCC para ousar fazer o que fez advinha da aplicação da
Doutrina Chevron pelo poder judiciário. Chevron, um Case da
Suprema Corte americana de 1984, aplicando grande deferência ao
julgamento das agências reguladoras, permitiu que as agências
conquistassem grandes e novos poderes sem uma atribuição
expressa de autoridade pelo Congresso. Se um estatuto fosse
ambíguo, sustentou Chevron, uma agência poderia ir em frente e
regulamentar com sua própria interpretação essas disposições
ambíguas. Assim, Chevron não só criou um ambiente em que as
agências ultrapassaram os limites da sua autoridade, como também
criou um incentivo para o Poder Executivo ou outros atores políticos
pressionarem as agências – para elas implementarem o que eles
não podiam – ou tinham vergonha de – implementar.

Entretanto, a Suprema Corte, percebendo esses abusos e
manobras, decidiu pura e simplesmente anular a Doutrina Chevron.

 

Um raio de bom senso – Chevron revogada: Como mencionamos
em Notas anteriores, a Suprema Corte americana tomou duas
decisões que mudaram profundamente e, por fim, revogaram a
Doctrine Chevron. Primeiro, West Virginia v. EPA
(https://www.law.cornell.edu/supremecourt/text/20-1530 ), em 30 de
junho de 2022. Segundo, Loper Bright Enterprises v. Raimondo
(https://www.supremecourt.gov/opinions/23pdf/22-451_7m58.pdf ),
em 28 de junho de 2024.

Em West Virginia v. EPA , Chevron balançou; em Loper Bright
Enterprises v. Raimondo, Chevron foi anulada. Entretanto, quando
da decisão da FCC reimpondo o regime de Common Carrier (Title
II) sobre o acesso à Internet, Chevron não havia ainda sido anulada
(https://docs.fcc.gov/public/attachments/FCC-24-52A1.pdf).

West Virginia v. EPA já deixava claro que, em questões de suma
importância, não basta as agências reguladoras decidirem porque
existe uma cláusula ou disposição ambígua na lei. Depois de West
Virginia, a delegação de autoridade do Congresso neste tipo de
casos já não pode estar implícita; tem de ser explícita. Podia-se
pensar imediatamente que a decisão da FCC de impor o Título II ao
acesso à Internet era um caso de “suma importância”, e que isso
limitaria ou até proibiria a FCC de avançar como avançou.

 

Title II, mas nem tanto? Muito curioso. A FCC impôs o Title II ao
serviço de acesso à Internet, mas isentou o mesmo serviço de
quase todas as obrigações implícitas no Title II.
É como se a FCC estivesse reescrevendo o Telecommunications
Act de 1996. Aplica o Title II do Act, mas isenta, pelo mecanismo de
Forbearance, partes essenciais do mesmo Title II. Só que nada
garante que as isenções não podem ser removidas…
Parece claro que a FCC, agindo assim, by picking and choosing
which parts of Title II will apply, está de fato reescrevendo a Lei.
É como se no Brasil o acesso à Internet fosse classificado como
Serviço Público de Telecomunicações, conforme a Lei Geral, mas a
Anatel decidisse não impor o regime de tarifas.
A pergunta inevitável é: o investidor vai manter o ritmo de
investimentos, diante dos níveis de incerteza e da opacidade
inerentes à decisão da FCC?

 

O domínio da narrativa: Eu me lembro da mobilização popular
para impedir que a FCC revogasse em 2017 a Net Neutrality
imposta por Obama. Dizia-se, em quase todas as mídias, que o que
a FCC queria fazer (e fez) seria “the end of the Internet as we know
it”. As pessoas brandiam cartazes, se deitavam na rua para impedir
que alguns commissioners da FCC saíssem de casa ou entrassem
no prédio da Agência. Commissioners perderam o direito de ir e vir.
O Apocalipse estava desabando sobre a Internet… Era tudo falso.
Os gatekeepers não eram as Teles, mas as Big Techs. Mas os
cartazes só anunciavam a ameaça das Teles. Essa nova Decisão
da FCC de impor common carriage ao acesso à Internet onera as
Teles e torna as Big Techs, que já são gigantes, mais fortes ainda.

 

A Internet antes e depois: O curioso nessa coisa de impor
common carriage ao a cesso à Internet, é que não há problema
concreto a ser corrigido. Como não havia em 2017 quando o
Presidente Obama constrangeu a FCC a fazer essa imposição pela
primeira vez. O alarme era falso, os argumentos, falaciosos.

Dissemos na época que aquilo era uma solução em busca de um
problema.

 

Hoje, pior ainda. Pois aí está a história mostrando que “a Internet
como a conhecemos” não acabou, pelo contrário, prosperou muito.
Não houve falha de mercado, pelo contrário, o consumidor
americano se beneficiou de preços menores, maior velocidade de
navegação, maior cobertura, competição maior.

 

O Commissioner Carr informa em seu dissenso que “a velocidade
da Internet aumentou 430% desde 2017 na banda larga fixa e 647%
no móvel. Em termos reais, os preços dos serviços de Internet
caíram cerca de 9% desde o início de 2018. Na banda larga móvel,
os preços reais caíram cerca de 18% desde 2017. E para os níveis
de velocidade de banda larga mais populares, os preços reais
caíram 54%, e para os níveis de velocidade de banda larga mais
rápidos, os preços caíram 55%, nos últimos 8 anos.”

Como é que a FCC faz uma coisa dessas?
Bem, aí entrou o Sixth Circuit

 

E aí entrou o Sixth Circuit: Uma vez que os provedores de banda
larga mostraram que têm boa probabilidade de vencerem na justiça,
a UNITED STATES COURT OF APPEALS FOR THE SIXTH
CIRCUIT suspendeu a aplicação Order da FCC até o julgamento do
mérito da questão. Até lá, nada de Title II para o acesso à Internet.
Analisaremos esta sentença do Sixth Circuit em outra ocasião.
Agora só ressaltamos que essa sentença contra a FCC só foi
exarada devido ao novo ambiente surgido com a revogação da
Doutrina Chevron