Notas & Comentários – 16-08-24

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As Agências Reguladoras: Naqueles anos 1930, anos da Grande Depressão, da ascensão do Nazismo, do Grande Expurgo na União Soviética, anos que prenunciavam a hecatombe da Segunda Guerra Mundial e do Holocausto, naqueles anos 1930 foram criadas as agência reguladoras independentes, parte do New Deal de Roosevelt.

Os EUA, afundados na Grande Depressão, afundaram a economia do mundo. Precisavam de uma esperança, ainda que tênue, algo novo, que apontasse para uma recuperação econômica. Aí vieram as Agências Reguladoras. O Congresso é sempre lento: melhor delegar tarefas técnicas para corpos especializadas.

Assim, a FCC ( Federal Communications Commission) foi criada pelo Communications Act de 1934, com responsabilidade sobre telecomunicações, sobre radiodifusão, TV a Cabo, competição, etc.: a FCC abarca um território de itens mais amplo do que a Anatel.

Nenhum problema financeiro para manter a FCC, financiada inteiramente por taxas regulatórias. Seu orçamento para 2022 foi de 388 milhões de dólares. Possuía 1.482 funcionários federais em julho de 2020. Por comparação, a Anatel, tem aproximadamente 1.400 empregados e um orçamento de cerca de 120 milhões de dólares. Ou seja, para um número mais menos igual de funcionários, o orçamento da FCC é mais de 3 vezes maior.

O pressuposto de uma agência independente era seu viés basicamente técnico. Ou seja, uma agência não podia invadir ou usurpar poderes de outros entes governamentais, em especial do Congresso ou do Judiciário.

 

Doutrina Chevron – a consagração das agências: A feitura da Lei pressupõe o seu uso honesto e ordenado, pressupõe comedimento, parcimônia, respeito à hierarquia de poderes.

Nos EUA, a ideia de agência funcionou bem até uns vinte anos atrás. As agências eram técnicas, eficientes, independentes mas conscientes de seus limites. Por isso a Chevron Doctrine foi uma ousadia compreensível. E o que estabeleceu a Doutrina Chevron?

Em CHEVRON v. NATURAL RESOURCES DEFENSE COUNCIL (https://www.law.cornell.edu/supremecourt/text/467/837 ), a Suprema Corte americana adotou o Princípio da Deferência às agências reguladoras, da seguinte forma:

Quando uma delegação legislativa a uma agência administrativa sobre uma determinada questão não for explícita, mas sim implícita, um tribunal não pode impor a sua própria interpretação da Lei invalidando uma interpretação razoável feita pela agência administrativa. 

Que coisa, não? Um juiz não podia julgar o sentido da lei e impor sua própria interpretação sobre a de uma agência numa situação em que a Lei era ambígua, ou em que o desejo do Congresso era apenas implícito (e não explícito). Tudo bem, uma agência é especializada em seus assuntos, mas superior a um juiz em questão de lei?

 

Um fenômeno novo: Mais recentemente começou a ocorrer, em todo o mundo, um fenômeno novo: abuso de poder, usurpação mesmo de poder. Observa-se o Executivo entrando na seara do Legislativo; o Judiciário, na do Executivo e do Legislativo; Agências adentrando território reservado ao Legislativo e ao Judiciário.

Falando, em particular, das agências americanas, a confiança da Doutrina Chevron foi retribuída com usurpação. As agências interpretaram a lei não necessariamente na linha aprovada pelo Congresso, até porque o Congresso nem sempre é claro. A interpretação da lei ultrapassou a linha vermelha. É como se, em certos casos, as agências americanas reescrevessem a lei.

De 1984, data do caso Chevron, até 28 de junho de 2024, ou seja, durante quarenta anos, a Doutrina Chevron prevaleceu. Aí a Suprema Corte, que já vinha dando sinais de aborrecimento com os abusos das agências, anulou a Doutrina Chevron.

 

O Case que anulou Chevron: Pela Doutrina Chevron, a Doutrina da grande Deferência às agências reguladoras, os tribunais deviam acatar acatar interpretações “permissíveis” dos estatutos (leis) que essas agências administram – mesmo quando um tribunal lê o estatuto de forma diferente. Essa Doutrina foi anulada em (https://www.law.cornell.edu/supremecourt/text/22-451) LOPER v. RAIMONDO.

As agências foram abusando da confiança nelas depositada, ultrapassaram limites, invadiram competências alheias. Aí a Suprema Corte disse: – Basta.

A Suprema Corte resolveu lembrar-se de que o Administrative Procedure Act exige que os tribunais exerçam o seu julgamento independente ao decidir se uma agência agiu dentro da sua autoridade estatutária, e os tribunais não podem eximir-se de rever interpretação da lei por uma agência simplesmente porque um estatuto é ambíguo. Esse é o principal ponto pelo qual Chevron was overruled. Questão de quem interpreta a lei, e questão de confiança perdida.

 

Com todo respeito… A volta à Tradição do Judiciário: Como declarou o Presidente da Suprema Corte, o Chief Justice Marshall, naquela decisão histórica e definidora da essência do país, no case Marbury v. Madison, “é enfaticamente competência e dever do Judiciário dizer o que é a lei”. Segundo Marshall, quem interpreta a lei é o judiciário, ponto final. Corria o ano de 1803…

A Corte também deu “a mais respeitosa consideração” às interpretações do Poder Executivo até porque “as autoridades envolvidas eram geralmente homens capazes e especialistas no assunto”, que podem muito bem ter redigido as leis em questão. Mas, enfatiza agora a Corte Suprema, trata-se apenas de “Respeito” não de submissão. As opiniões do Poder Executivo poderiam informar o julgamento do Judiciário, mas não o substituem. “Nos casos em que o próprio julgamento de um tribunal. . . diferia do de outros altos funcionários”, o tribunal “não tinha a liberdade de renunciar a sua interpretação”.

LOPER v. RAIMONDO sepulta a Doutrina Chevron: as agências americanas não mereceram aqueles 40 anos de deferência judicial às suas decisões. A partir de agora, o Judiciário julga as decisões das Agências, e vale a opinião do Judiciário, e não a da agências. Chevron is overruled.