Notas & Comentários – 09-08-24

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Tudo mudou, mas nada mudou: A não-regulação dos chamados Serviços de Valor Adicionado (como os providos pelas Big Techs) foi essencial para que a Internet nascesse e prosperasse. Essa proteção persistiu, mesmo com a Internet em plena maturidade. As operadoras de telecom se tornaram anãs diante das Big Techs. Se as operadoras se tornaram anãs diante das Big Techs, como fica o cidadão sem o amparo da regulação? Por que a lei não mudou?

 

FCC – agência independente: No Brasil, como nos EUA, a telecomunicação que dá acesso à Internet sempre fora sujeita a pouquíssima regulação.

No Brasil, esse acesso é tipicamente pelo Serviço de Comunicação Multimídia – SCM, uma autorização simplíssima. Existem dezenas de milhares de autorizadas de SCM no Brasil. A burocracia é sumaríssima, a autorização da Anatel sai em questão de dias.

Nos EUA era semelhante. A Banda Larga para acesso à Internet era um Information Service, sujeito ao Title I do Telecommunications Act. Ou seja, algo muito levemente regulado, por óbvio.

No New Deal, o Presidente Roosevelt criou agências independentes, diante da evidência da impossibilidade de o Congresso decidir coisas, p. ex., em telecomunicações, que avançam de forma muito rápida (já nos anos 1930…), demandam muita expertise, e não podem esperar longas discussões de parlamentares para muitas e frequentes tomadas de decisão. Ou seja, o Congresso decide os elementos básicos e delega a uma agência reguladora os detalhes. Mas aí veio Obama…

Sim, em novembro de 2014, entra em cena o Presidente Obama, e opera a maior intervenção numa Agência Reguladora desde que foram criadas nos anos 1930.

 

FCC – a perda da independência (i): O Presidente Obama anunciou (determinou…), num vídeo, via Youtube, que a FCC deveria tratar o acesso à Internet como um serviço sujeito ao Title II do Telecommunications Act, ou seja como um Common Carrier, serviço semelhante ao nosso Serviço Público de Telecomunicações operado via concessão.

A FCC, claro, rechaçou tamanha intromissão em sua independência, certo? Nada disso. A FCC… obedeceu. E assim um edifício com décadas de cuidadosa construção técnica desmoronou. A independência das agências americanas deixou de existir.

 

FCC – a perda da independência (ii): Como dissemos, o equivalente da regulação do Common Carrier nos EUA é a regulação das concessões no Brasil. Ou seja, um desastre regulatório, que a Anatel está consertando por aqui.

O então Chairman da FCC, Tom Wheeler, que era uma pessoa qualificada, estava muito próximo de propor uma regulação para o acesso à Internet que parecia razoável, quiçá consensual. Talvez devesse dizer à Casa Branca – no pasarán, talvez devesse defender a Instituição, a FCC, talvez defender a Lei que instituiu a FCC, talvez defender seu próprio nome, sua reputação, sua biografia. Não. Wheeler simplesmente cedeu. A FCC cedeu à pressão política, fora dos canais normais e legais de pressão.

A FCC se politizou além do ponto, e deixou de ser referência mundial de regulação. Perdeu a credibilidade.

 

Agências e política: Pela Lei americana, cada partido indica 2 commissioners. E como o Presidente da República nomeia seu Chairman, fica com sempre maioria. Obama impôs Title II para acesso à Internet. No Governo Trump, a FCC retrocedeu ao Title I. Agora, em fins de abril de 2024, a FCC, no Governo Biden, tornou a ir para o Title II. O órgão regulador era suposto introduzir estabilidade nas regras, para confiabilidade do mercado: agora ei-lo um pêndulo da leviandade política.

Enquanto o Brasil consegue se livrar do instituto da concessão em suas telecomunicações, os EUA, surpreendentememte, colocam o acesso à Internet como “concessão”. E pensar que, não faz tempo, se tentou, no Brasil, tornar o acesso à Internet um serviço explorado mediante concessão… Como se seguir o precedente americano fosse sempre recomendável.

A atenuação do Title II: Como o Title II é a mais pesada regulamentação que existe, a FCC diz que vai aplicar uma extensa lista de forbearances, eximindo esse serviço de muitas coisas que o Title II exige. Até porque, p.ex., não daria para aplicar tarifas para o acesso à Internet. Mas nada garante que a FCC não altere esses pontos de forbearance, de isenção do Title II. Ou seja, é Title II, mas quase não é Tittle II, sendo que pode ser muito Title II. Que coisa mais inacreditável.

Anos atrás comentamos essas hesitações nas decisões da FCC. E o que dissemos então continua válido: essa é uma regulação que busca resolver um problema que não existe – uma solução em busca de um problema.

Tudo isso mostra o que já era claro há muitos anos: as Big Techs dominam a cena de regulação – e de não-regulação – nos EUA. E largamente no mundo.

 

O que a FCC alegou agora? É claro que um país deve se preocupar com Segurança Nacional, com Cibersegurança, com a Privacidade do Usuário, etc. E, claro, com o incentivo ao investimento, à construção de infraestrutura. Quanto aos três primeiros itens, há órgãos mais apropriados para lidar com eles do que o Regulador de Telecom.

Mas os argumentos usados pela FCC agora não são melhores do que aqueles apresentadas em 2015, quando da primeira imposição de common carriage para o acesso à Internet. Penso que o voto de dissenso do Commissioner Carr é relevante nesta discussão (https://docs.fcc.gov/public/attachments/FCC-24-52A3.pdf ).

Esse processo é o fim da FCC como modelo, e como referência mundial de estudos.