Caros,
No New Deal, o Presidente Roosevelt criou agências independentes, diante da evidência da impossibilidade de o Congresso decidir coisas, p. ex., em telecomunicação, que avançam de forma muito rápida (já nos anos 1930…), demandam muita expertise, e não podem esperar longas e frequentes discussões de parlamentares para tomada de decisão. Melhor assim, pensou-se: o Congresso decide os elementos básicos e delega a uma agência reguladora os detalhes. Aí veio Obama…
O Presidente Obama anunciou, via Youtube, que a FCC deveria tratar o acesso à Internet como um serviço sujeito ao Title II do Telecommunications Act, ou seja como um Common Carrier, ou seja, num modelo semelhante ao nosso Serviço Público de Telecomunicações, operado via concessão.
A FCC, claro, rechaçou tamanha intromissão em sua independência, certo? Nada disso. A FCC… obedeceu. E um edifício com décadas de cuidadosa construção técnica ruiu.
A FCC não se levantou dessa queda. Deixou de ser referência mundial de regulação. Perdeu a credibilidade.
Enfim, essa regulação da FCC, como dissemos anos atrás, busca resolver um problema que não existe – é uma solução onerosa em busca de um problema. E essa situação mostra o que já era claro há muitos anos: as Big Techs dominam a cena de regulação – e de não-regulação – nos EUA. E largamente no mundo.
Tudo mudou, mas nada mudou: A não-regulação dos chamados Serviços de Valor Adicionado (como os providos pelas Big Techs) foi essencial para que a Internet nascesse e prosperasse. Essa proteção persistiu, mesmo com a Internet em plena maturidade. As operadoras de telecom se tornaram anãs diante das Big Techs. Se as operadoras se tornaram anãs diante das Big Techs, como fica o cidadão sem o amparo da regulação? Por que a lei não mudou?
FCC – agência independente: No Brasil, como nos EUA, a telecomunicação que dá acesso à Internet sempre fora sujeita a pouquíssima regulação.
No Brasil, esse acesso é tipicamente pelo Serviço de Comunicação Multimídia – SCM, uma autorização simplíssima. Existem dezenas de milhares de autorizadas de SCM no Brasil. A burocracia é sumaríssima, a autorização da Anatel sai em questão de dias.
Nos EUA era semelhante. A Banda Larga para acesso à Internet era um Information Service, sujeito ao Title I do Telecommunications Act. Ou seja, algo muito levemente regulado, por óbvio.
No New Deal, o Presidente Roosevelt criou agências independentes, diante da evidência da impossibilidade de o Congresso decidir coisas, p. ex., em telecomunicações, que avançam de forma muito rápida (já nos anos 1930…), demandam muita expertise, e não podem esperar longas discussões de parlamentares para muitas e frequentes tomadas de decisão. Ou seja, o Congresso decide os elementos básicos e delega a uma agência reguladora os detalhes. Mas aí veio Obama…
Sim, em novembro de 2014, entra em cena o Presidente Obama, e opera a maior intervenção numa Agência Reguladora desde que foram criadas nos anos 1930.
FCC – a perda da independência (i): O Presidente Obama anunciou (determinou…), num vídeo, via Youtube, que a FCC deveria tratar o acesso à Internet como um serviço sujeito ao Title II do Telecommunications Act, ou seja como um Common Carrier, serviço semelhante ao nosso Serviço Público de Telecomunicações operado via concessão.
A FCC, claro, rechaçou tamanha intromissão em sua independência, certo? Nada disso. A FCC… obedeceu. E assim um edifício com décadas de cuidadosa construção técnica desmoronou. A independência das agências americanas deixou de existir.
FCC – a perda da independência (ii): Como dissemos, o equivalente da regulação do Common Carrier nos EUA é a regulação das concessões no Brasil. Ou seja, um desastre regulatório, que a Anatel está consertando por aqui.
O então Chairman da FCC, Tom Wheeler, que era uma pessoa qualificada, estava muito próximo de propor uma regulação para o acesso à Internet que parecia razoável, quiçá consensual. Talvez devesse dizer à Casa Branca – no pasarán, talvez devesse defender a Instituição, a FCC, talvez defender a Lei que instituiu a FCC, talvez defender seu próprio nome, sua reputação, sua biografia. Não. Wheeler simplesmente cedeu. A FCC cedeu à pressão política, fora dos canais normais e legais de pressão.
A FCC se politizou além do ponto, e deixou de ser referência mundial de regulação. Perdeu a credibilidade.
Agências e política: Pela Lei americana, cada partido indica 2 commissioners. E como o Presidente da República nomeia seu Chairman, fica com sempre maioria. Obama impôs Title II para acesso à Internet. No Governo Trump, a FCC retrocedeu ao Title I. Agora, em fins de abril de 2024, a FCC, no Governo Biden, tornou a ir para o Title II. O órgão regulador era suposto introduzir estabilidade nas regras, para confiabilidade do mercado: agora ei-lo um pêndulo da leviandade política.
Enquanto o Brasil consegue se livrar do instituto da concessão em suas telecomunicações, os EUA, surpreendentememte, colocam o acesso à Internet como “concessão”. E pensar que, não faz tempo, se tentou, no Brasil, tornar o acesso à Internet um serviço explorado mediante concessão… Como se seguir o precedente americano fosse sempre recomendável.
A atenuação do Title II: Como o Title II é a mais pesada regulamentação que existe, a FCC diz que vai aplicar uma extensa lista de forbearances, eximindo esse serviço de muitas coisas que o Title II exige. Até porque, p.ex., não daria para aplicar tarifas para o acesso à Internet. Mas nada garante que a FCC não altere esses pontos de forbearance, de isenção do Title II. Ou seja, é Title II, mas quase não é Tittle II, sendo que pode ser muito Title II. Que coisa mais inacreditável.
Anos atrás comentamos essas hesitações nas decisões da FCC. E o que dissemos então continua válido: essa é uma regulação que busca resolver um problema que não existe – uma solução em busca de um problema.
Tudo isso mostra o que já era claro há muitos anos: as Big Techs dominam a cena de regulação – e de não-regulação – nos EUA. E largamente no mundo.
O que a FCC alegou agora? É claro que um país deve se preocupar com Segurança Nacional, com Cibersegurança, com a Privacidade do Usuário, etc. E, claro, com o incentivo ao investimento, à construção de infraestrutura. Quanto aos três primeiros itens, há órgãos mais apropriados para lidar com eles do que o Regulador de Telecom.
Mas os argumentos usados pela FCC agora não são melhores do que aqueles apresentadas em 2015, quando da primeira imposição de common carriage para o acesso à Internet. Penso que o voto de dissenso do Commissioner Carr é relevante nesta discussão (https://docs.fcc.gov/public/attachments/FCC-24-52A3.pdf ).
Esse processo é o fim da FCC como modelo, e como referência mundial de estudos.