Notas & Comentários – 02-05-2025

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Silva Jardim – qual a recompensa dos ativistas? Silva Jardim foi um incansável promotor da República, um propagandista radical. Envolveu-se completamente na campanha republicana, chegando, para isso, a vender sua banca de advogado e dissolver sua sociedade com Martim Francisco, prestigioso neto de José Bonifácio de Andrada e Silva, o “Patriarca da Independência”.

Silva Jardim não era uma pessoa saudável, sofrendo ataques de malária desde a infância. Lembremos que malária não era uma doença simples; quando não corretamente e prontamente tratada, dá febre, vômitos, dores de cabeça, e a pessoa pode ter icterícia, convulsões, coma. Mas isso não impedia que Silva Jardim, em sua militância pela República, fosse aclamado, apedrejado, perseguido e elogiado. E dessem tiro nele.

Proclamada a República, os próceres do novo regime o ignoraram. Jardim não se tornou Ministro, como esperava. Ele sequer participou dos atos oficiais da Proclamação do novo regime. Não foi apoiado em nenhuma eleição. Ordem era o que o positivista Benjamin Constant queria mostrar. Foi demais para Silva Jardim: ele resolveu mudar de ares na Europa. Até que chegou na Itália.

O desgosto corrói. A decepção oprime. A ingratidão mata.

E nada é mais incerto do que a gratidão na política. Como nas instituições. Como no trabalho. Como nas empresas. Não existe gratidão empresarial; empresas são frias, impessoais. A política é pessoal, mas para saber o que é conveniência, não gratidão.

 

A morte na cratera do Vesúvio: Estava, pois, Silva Jardim, com sua família, visitando o sul da Itália: Nápoles, as ruinas de Pompeia. Partira do Brasil em outubro de 1890, menos de um ano depois da Proclamação da República: seu desencanto foi tremendo e fulminante. A ele, que lutara tanto, que se expusera tanto, que pregara tanto, a ele nada foi confiado, a ele nada foi concedido. Os próceres da República achavam que Silva Jardim daria, ao golpe, uma conotação de radicalidade, que eles queriam evitar.

Estava, repetimos, Silva Jardim em Nápoles. Tinha 30 anos. Corria o ano de 1891. Fora avisado para não subir o Monte Vesúvio, pois havia indícios de próxima erupção. Mas, acostumado a devanear com suas utopias e, nesse devaneio, enfrentar desafios, subiu. Estava com um amigo brasileiro e um guia.

A morte chega como um ladrão. Foi assim: um tremor de terra e… Silva Jardim foi tragado por uma fenda que se abriu na cratera do Vesúvio. Seu amigo escapou a custo, amparado pelo guia.

Foi essa a terrível morte do advogado Silva Jardim, menos de dois anos após a Proclamação da República.

Poucos lutaram tanto, e em condições pessoais tão adversas, pela República. O relacionamento de Silva Jardim com os donos do poder não era daquele compadrio comum. Nenhuma gratidão é possível num ambiente assim. Chesterton dizia que “a gratidão é a forma mais elevada do pensamento”. Mas o pensamento político tende a ser baixo, bem baixinho.

 

Ele gostava de desafiar o perigo: Na crônica fúnebre, publicada em julho de 1891, por Pinheiro Chagas no jornal O Paiz, logo após a morte de Silva Jardim, há clara referência a esse encanto incontrolável produzido por abismos naturais sobre o revolucionário da República. Já antes do Vesúvio, em Cascais, ele se aventurou sobre num conjunto de penhascos à beira-mar conhecido como Boca do Inferno; e aventurou-se, apesar de advertido sobre o extremo perigo. Pior, “Jardim saltara pelos vãos da fímbria dos penedos, desafiando o espaço vazio e a fúria das ondas”.

 

A utopia e a realidade: Era preciso eleger a Constituinte da recém- criada República. Era preciso formarem-se as chapas. É o grande momento da política, da politicagem, dos acordos, dos conchavos. Silva Jardim restou excluído disso tudo. Bem, como haveria eleições, as quais numa República seriam honestas, ele achava que, ao final, ele, o lutador da República, prevaleceria… Coitado. Trinta anos é uma idade ainda imatura para entender certas coisas… E existem coisas que não podem ser jamais entendidas.

Silva Jardim não recebeu nem a metade dos votos do último colocado. Como é que pode? Tentou ser eleito em vários estados e, sem apoio suficiente, perdeu em todos. Ele chegara a pensar que, pela sua destacada história de militantismo republicano, ninguém sequer ousaria disputar a eleição contra ele… Sua “pureza radical” não cabia no novo regime.

Todos os antigos métodos fraudulentos, que os republicanos achavam que só existiriam no Império, continuavam a ser usados; só mudaram os beneficiados. Os expedientes de aliciamento, de corrupção, de intimidações, os eleitores fictícios, as atas falsas: pior que no Império. A mudança de regime costuma ser um pretexto para mudança de elites, não de métodos.

Assim, passado o vergonhoso embate eleitoral, magoado e surpreso com o resultado, anunciou, em 2 de outubro de 1890, que se retiraria da política; nesse mesmo dia partiu para a Europa. Mas talvez ele pensasse em voltar à política, essa cachaça… Às vezes a esperança só morre depois da alma.

 

Silva Jardim – a viagem sem volta: Assim, na ressaca das decepções, Silva Jardim viajou para a Europa. Passou por Portugal, França, Bélgica, Espanha e chegou, enfim, à Itália. Pensava em ir à Alemanha e mesmo à Rússia czarista. Mas a Itália seria seu túmulo.

A cratera do Vesúvio o esperava para enterrá-lo em 1º de julho de 1891. Muitos consideraram que foi um suicídio. Acho que não: foi, talvez, o último ato de audácia de uma pessoa imatura, que vivia nas coisas utópicas, e a terra o chamou para a realidade, brutalmente.

O mais expressivo necrológio foi provavelmente o de José do Patrocínio (apud Heitor Ferreira Lima, Brasiliana, volume 383 https://bdor.sibi.ufrj.br/bitstream/doc/432/1/383%20PDF%20-%20OCR%20-%20RED.pdf): “O homem de grandes audácias caminha sempre, até que uma garganta, subitamente aberta, vomitando fogo, engole-o. Ainda neste momento supremo o herói não se trai por um grito; limita-se a levar as mãos à cabeça, como única testemunha de sua agonia silenciosa. Bela sepultura, o vulcão; estranho destino o do grande brasileiro: até para morrer converteu-se em lava.” Magnífica imagem, a da lava incandescente que consumiu a ardente utopia que animou Silva Jardim em sua breve existência!