Notas & Comentários – 28-03-2025

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Afinal, o acesso à Internet é o quê? Nos EUA, a grande pergunta em torno da regulamentação do acesso à Internet gira em torno do seguinte quesito (usando o jargão legal brasileiro): o acesso à Internet é uma autorização, um serviço levemente regulado, ou uma concessão, um serviço pesadamente regulado?

Lembrando, a concessão em telecomunicações é, no Brasil, um instituto falido. Vide o destino da Oi. E vide a compreensível fuga da Vivo e da Claro desse abismo.

Para os juízes da Corte de Apelações do Sexto Circuito no case Ohio Telecom v. FCC, o tema é muito relevante, porque a “Internet impulsiona a economia e serve, todos os dias, como uma ferramenta crítica para os cidadãos se comunicarem, se educarem, se entreterem, comerciarem, e se envolverem-se no mundo que os rodeia”. Na verdade, trata-se de tema tão relevante que deveria ser decidido pelo Congresso e não pela FCC.

 

Banda Larga é Internet. Internet é Banda Larga: Hoje é assim. Sem banda larga a Internet seria quase nada; e a banda larga teria reduzida utilidade se não fosse a Internet.

Os provedores de serviços de Internet, nas palavras da Corte de Apelações, conectam “usuários finais” (consumidores) a sites que geram seu próprio conteúdo, como serviços de streaming de vídeo (Netflix), mercados comerciais (Amazon), mídias sociais (Facebook), e motores de busca (Google). Ou seja, não vivemos sem eles.

 

História da Regulação – o uso da TV a Cabo: Durante quase 20 anos, após o Telecommunications Act de 1996, a FCC considerou que o acesso à Internet era serviço de informação – e não serviço de telecomunicações – e, portanto, a pesada regulamentação de Common Carrier não se aplicava.

Com lastro na agora extinta Doutrina Chevron, a Suprema Corte manteve uma decisão da FCC pela qual a banda larga via Cable Modem constituía Serviço de Informação e, logo, não poderia ser regulada como Common Carrier.

 

A politização da Neutralidade de Rede: A politização da Neutralidade de Rede começou durante o mandato do Presidente Obama, quando a FCC empreendeu vários esforços para impor políticas de neutralidade da rede.

A Net Neutrality, tal como imaginada por Tim Wu, professor da Columbia University, era uma ideia interessante. Pensava-se, inicialmente, que as prestadoras de serviços de telecom, como donas da rede, poderiam querer ditar o que poderia transitar nela, e em que condições, inclusive privilegiando alguns conteúdos sobre outros, ou cobrando valores não isonômicos pelo tráfego. Temor compreensível, em tese. A história, porém, mostrou que a fonte do problema seria outra: as Big Techs controlaram a informação, seja mediante iniciativa própria – exercendo um certo poder de “moderação dos conteúdos” -, seja, muitas vezes, em submissão a comandos informais ou semi-informais de governos.

Leis e regras foram aprovadas mundo afora, inclusive no Brasil, mirando as prestadoras e protegendo as Big Techs. A história mostrou que, afinal, os canhões foram apontados para as galinhas, e em proteção às raposas. Obviamente, tudo isso mudou agora. Mas o controle da informação, em claro atentado à liberdade de pensamento, à liberdade de informação e à liberdade de imprensa, persistiu (e em certo lugares ainda persiste) há mais de 10 anos.

E quantas pessoas, que viviam desses aplicativos de Internet, perderam seus negócios por decisão unilateral dos donos da Internet? Ou se arruinaram por isso?

 

A expertise pendular: A FCC teve 5 posições com respeito à classificação do acesso à Internet:

– Primeiro, seguiu o que parecia ser a letra e a intenção da Lei: acesso à Internet é um serviço de informação;

– Depois, tentou impor obrigações parecidas com Common Carrier, mesmo mantendo o acesso à Internet como serviço de informação: ou seja, o alvo eram as prestadoras de serviços de telecom. A Justiça derrubou essa tentativa;

– Em seguida, Obama, numa mensagem via YouTube, mandou a FCC regular o acesso como Common Carrier. Nunca um órgão regulador nos EUA foi tão humilhado;

– Quando Trump assumiu pela primeira vez, a FCC voltou atrás, e retirou as obrigações de Common Carrier;

– No Governo Biden, em maio de 2024, a FCC voltou a classificar o acesso à Internet como Common Carrier, ainda que, como da primeira vez, com isenções e atenuações;

– Agora em janeiro de 2025, a Corte de Apelações do Sexto Circuito derrubou a regulamentação da FCC. Expertise que muda ao sabor do vento (pois política é como um catavento), não merece respeito. As classificações de acesso à Internet promovidas pela FCC não foram pequenos ajustes: foram reversões de 180º (“mudanças convulsivas” no dizer da Corte).

 

A Justiça começou a se incomodar: Sim. Chegou a haver juiz lamentando que “A deferência da Doutrina Chevron gerou incerteza constante e mudanças convulsivas, mesmo quando o próprio estatuto em questão permaneceu inalterado”. Ou seja, Chevron estava criando aquilo que deveria evitar: em vez de previsibilidade e estabilidade na interpretação das normas administrativas, mudanças bruscas, “convulsivas”, de 180º.

O Sexto Circuito observou que, aplicando a decisão da Suprema Corte em Loper Bright (o case que revogou Chevron), poderia pôr fim às vacilações da FCC. E logo suspendeu, liminarmente, até sua decisão final, a aplicação da decisão da FCC de 2024. E fez, então, uma observação premonitória: “se os fornecedores de serviços de Internet de banda larga são Common Carriers e estão sujeitos, ou não, a políticas de neutralidade da rede é “provavelmente uma questão de importância tal que requer autorização clara do Congresso”, e a Lei “provavelmente não autoriza claramente a FCC a resolver tão relevante questão”.

O gato estava subindo no telhado. E caiu do telhado em 2 de janeiro de 2025, com a decisão no mérito, fulminando a regulação da FCC sobre Net Neutrality.