Caros,
Em 1612, La Ravardière chega ao Maranhão com três navios, 500 colonos, e alguns capuchinhos, para criar a França Equinocial. O projeto fracassou. La Ravardière, derrotado em 1615, ficou preso na Torre de Belém, em Lisboa, até 1620. Mas saiu com ideias…
Sim, saído da prisão, La Ravardière iniciou negociações com a recém fundada Companhia das Índias Ocidentais para uma nova tentativa de invasão do Brasil. Mas… Mas a Coroa espanhola, então soberana do Brasil, teve informação da proposta desse empreendimento, e resolveu… subornar La Ravardière, o qual, sensível, nunca mais reapareceu falando do assunto.
Porém, passando preso por Olinda, La Ravardière estava com um companheiro, um Cronista Anônimo, que relatou o que viu.
O Cronista Anônimo disse que ele e La Ravardière desembarcaram em Olinda à noite, de propósito, para que não observassem a insuficiência da artilharia da cidade. Opa, insuficiência da artilharia? Olinda fraca? Uma oportunidade para a Companhia das Índias Ocidentais…
O relato do Cronista Anônimo continha, ademais, coisas deliciosas:
- As laranjas e os limões de diversas espécies são encontrados comumente nas matas, ultrapassando em bondade os de Portugal.
- Os figos, as uvas e as romãs dão duas vezes por ano.
- Quanto aos frutos do país, há grande abundância deles. Cultivam ordinariamente a mangaba, que é um fruto quase semelhante ao pêssego, mas sem o caroço, tendo somente algumas sementes achatadas. Há também maracujás, ananases, araticuns, todos frutos excelentes, mas a mangaba excede a todos em bondade.
- Muita caça há por toda a parte, veados e javalis andam aos bandos; o javali é semelhante ao nosso, exceto que o daquele país tem o umbigo no dorso.
- Enfim, essa é uma terra onde não se pode morrer de fome.
Com um cartão de visitas desses, a Companhia das Índias Ocidentais não teria muita dificuldade de recrutar soldados para tomar Recife e Olinda e muito mais do Brasil.
La Ravardière e a França Equinocial: Daniel de la Touche, senhor de La Ravardière, teve duas conexões com o Brasil. Primeiro e mais importante, com a França Equinocial, uma colônia francesa criada no Maranhão. Em 1612, La Ravardière chega ao Maranhão com três navios, 500 colonos, e alguns capuchinhos, entre os quais Claude d’Abbeville (que escreveu a Histoire de la Mission des Pères Capucins en l’Isle de Maragnan et Terres Circonuoisines) et Yves d’Évreux (Svitte de l’histoire des choses plvs memorables aduenuës en Maragan, és annees 1613 & 1614). A França Equinocial acabou em 1615, com La Ravardière se rendendo a um exército luso-brasileiro comandado por Jerônimo de Albuquerque Maranhão (o Maranhão foi acrescentado a seu nome após essa vitória).
La Ravardière foi preso e mandado a Portugal, onde ficou recolhido à Torre de Belém até 1620. O nome da cidade de Saint-Louis, fundada por La Ravardière em homenagem ao Rei Luís XIII, foi, claro, aportuguesado para São Luís (São Luís IX, Rei de França).
Uma curiosidade: a sede da Prefeitura de São Luís é o Palácio La Ravardière. E o brasão da cidade de São Luís tem a Flor-de-Lis do reino de França e as Quinas do reino de Portugal. Também vê-se a constelação das Plêiades.
Outra curiosidade: Jerônimo de Albuquerque Maranhão era filho de outro Jerônimo de Albuquerque e de uma índia que lhe salvou a vida, filha do cacique Uirá Ubi, que quer dizer Arco Verde.
Dessa família surgiu Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti, o Cardeal Arcoverde, o primeiro cardeal do Brasil e de toda a América Latina, e de onde veio o nome da cidade homônima de Pernambuco.
La Ravardière e a WIC: Saído da prisão na Torre de Belém, em Lisboa, La Ravardière iniciou negociações com a recém fundada Companhia das Índias Ocidentais (WIC) para uma nova tentativa de invasão do Brasil. Sendo La Ravardière protestante, como a cúpula governante dos Países Baixos, e tendo ele bastante conhecimento do Brasil, esse empreendimento podia prosperar. Mas…
Mas a Coroa espanhola, então soberana do Brasil, teve informação da proposta desse empreendimento, e resolveu… subornar La Ravardière. O historiador Evaldo Cabral de Melo diz que o suborno deve ter funcionado, pois La Ravardière nunca mais reapareceu falando do assunto.
Porém, passando preso por Olinda, após a derrota no Maranhão, La Ravardière estava com um companheiro, um cronista anônimo, que relatou o que viu.
A Informação do Cronista Anônimo: O cronista disse que ele e La Ravardière desembarcaram em Olinda à noite, de propósito, para que não observassem a insuficiência da artilharia da cidade. Opa, insuficiência da artilharia? Olinda fraca? Uma oportunidade… Seu relato contém coisas deliciosas, como essas (a ilustração é de Albert Eckhout (1610–1666), um dos pintores trazidos por Nassau):
- As laranjas e os limões de diversas espécies são tão comuns por todo o país, que são encontrados comumente nas matas, ultrapassando em bondade os de Portugal.
- Os figos, as uvas e as romãs dão duas vezes por ano. Mas as uvas são encontradas apenas em pomares, pois há proibição expressa de fabricação de vinho, para não concorrer com o que vem das Canárias.
- Quanto aos frutos do país, há grande abundância deles, muito diversos dos nossos. Cultivam ordinariamente a mangaba, que é um fruto quase semelhante ao pêssego, mas sem o caroço, tendo somente algumas sementes achatadas.
- Há também […] maracujás, ananases, araticuns, todos frutos excelentes, mas a mangaba excede a todos em bondade.
- Como pão ordinário dispõem de milho graúdo e de uma raiz, que chamam de mandioca, base e principal alimento dos índios, sem dúvida muito boa e bem sadia para comer.
- Muita caça há por toda a parte, veados e javalis andam aos bandos; o javali é semelhante ao nosso, exceto que o daquele país tem o umbigo no dorso.
- Enfim, essa é uma terra onde não se pode morrer de fome.
Isso, e mais o que já era sabido, certamente animaria um mercenário a alistar-se no exército da Companhia das Índias Ocidentais.
O anônimo companheiro de prisão de La Ravardière repetiu Pero Vaz de Caminha que, 120 anos antes, já dizia que ‘esta terra, em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem’.