Caros,
O Tribunal de Apelações do Sexto Circuito dos Estados Unidos desautorizou a regulação para que a FCC acabasse de aprovar, em maio de 2024, sobre Neutralidade de Rede.
Durante 40 anos, por decisão da Soprema Corte americana, diante do silêncio da Lei ou de uma passagem ambígua da Lei, os tribunais foram obrigados a aceitar a interpretação do órgão regulador, por deferência à sua expertise . Ou seja, o Regulador poderia interpolar, preencher lacunas da Lei, e, se isso fosse razoável, os Tribunais tinham de aceitar, mesmo que o juiz considerou que ele, juiz, tinha uma interpretação melhor.
Por repetidos abusos, as Agências Reguladoras americanas conseguem perder esse imenso privilégio, essa inaudita deferência.
A expertise não pode levar a resultados disparatados. Mas a FCC inverteu (sim, não apenas alterou, mas INVERTEU) pelo menos quatro vezes sua interpretação da lei, no mesmo assunto de Net Neutrality . Que expertise é essa?
Órgão regulador que se preze executa políticas públicas, mas não origina política, nem politicagem.
O nome da regulação da FCC derrubada pela Corte de Apelações, já parecia, em si, uma mistificação: EM QUESTÃO DE SALVAGUARDA E SEGURANÇA DA INTERNET ABERTA… Salvaguarda? Realmente?
Uma catástrofe para a FCC. Fim da deferência legal e da presunção de respeitabilidade que todos temos em relação à agência americana.
Ohio Telecom v. FCC É um case para ficar na história. Na história da má regulação, na história da má política, na história dos abusos, e na história da irrazoabilidade. OHIO TELECOM ASSOCIATION, et al. v FCC foi decidido agora, em 2.1.2025.
(https://www.opn.ca6.uscourts.gov/opinions.pdf/25a0002p-06.pdf )
O Tribunal de Apelações do Sexto Circuito dos Estados Unidos desautorizou a regulação que a FCC aprovara, em maio de 2024, sobre Neutralidade de Rede. O nome da Order da FCC, em si, já parecia uma mistificação: “IN THE MATTER OF SAFEGUARDING AND SECURING THE OPEN INTERNET”… Safeguarding? Really?
O Tribunal considerou que, sob o Telecommunications Act de 1996, os ISPs de banda larga oferecem um “Serviço de Informação”, e não um Serviço de Telecomunicações. Os ISPs possibilitam recuperar e utilizar informações através de telecomunicações, o que se enquadra na definição de Serviço de Informação. O Tribunal de Apelações também concluiu que a interpretação da FCC era inconsistente tanto com a simples linguagem da Lei como com seu contexto histórico.
Esse decisão constitui uma catástrofe para a FCC. E para o modelo de agências. E para o respeito às agências reguladoras.
EUA – o fim da Deferência Legal às Agências Reguladoras: Durante 40 anos, e até há pouco tempo, mesmo quando a lei era silente ou não muito clara, os tribunais eram obrigados a aceitar a interpretação do órgão regulador, por deferência à sua expertise. Ou seja, o Regulador podia interpolar, preencher lacunas da Lei, e, se isso fosse razoável, os Tribunais tinham de aceitar, mesmo que o juiz considerasse que ele, juiz, tinha uma interpretação melhor.
As Agências Reguladoras americanas conseguiram perder esse imenso privilégio, por repetidos abusos. Agora, o abuso foi da FCC.
Vale a pena recordar um pouco as coisas.
A Doutrina da Boa-Fé: A chamada Doutrina Chevron era razoável, tinha uma boa intenção, confiava na especialização, na expertise das agências reguladoras. Só que a Doutrina pressupunha que as
g agência reguladoras se limitariam ao seu mandato. Mas a política é a ciência de distorcer querendo aparentar zelo.
Como muita coisa na vida, a liberalidade degenerou em abuso. E o abuso resultou na quebra da confiança e na revogação da liberalidade, desmoralizando o instituto da Agência Reguladora.
Quando a Agência Reguladora toma um posicionamento mais político do que técnico, o regulado sofre, torna-se arredio e, se ainda puder, vai embora ou muda de ramo.
O que era a Doutrina Chevron: Era um importante princípio do direito administrativo americano, estabelecido pelo case Chevron v. Natural Resources Defense Council (1984), onde a Suprema Corte dos Estados Unidos definiu um teste de dois passos para avaliar a interpretação de agências reguladoras sobre leis federais.
Os dois passos fundamentais da Doutrina Chevron são:
- O tribunal deve determinar se o Congresso abordou diretamente, na Lei, a questão específica em análise. Se a intenção do Congresso é clara e inequívoca, tanto o Tribunal quanto a Agência devem seguir essa interpretação.
- Se, porém, a lei é ambígua ou silente sobre uma questão específica, o tribunal deve aceitar a interpretação da agência, desde que seja razoável, mesmo que não seja necessariamente a melhor interpretação possível no julgamento do juiz.
A importância desta Doutrina reside em vários aspectos:
- Estabelece um equilíbrio entre os poderes, reconhecendo a expertise técnica das agências reguladoras;
- Proporciona agilidade, previsibilidade e estabilidade na interpretação das normas administrativas;
- Reduz a interferência judicial em questões técnicas complexas;
- Permite flexibilidade na implementação de políticas públicas.
Como é possível que as agências reguladoras americanas tenham perdido tamanha deferência legal?
Isso nos faz lembrar aquele primeiro casal que estava no Paraíso, com tudo à disposição, a vida eterna à frente, a natureza dócil, os animais mansos… Só havia uma única proibição. E o casal transgrediu essa única proibição.
O abuso destrói: A ideia da Chevron Doctrine era que a Agência preenchesse certas pequenas omissões, ou silêncios da lei, de forma a tornar suave sua aplicação. Não que a Agência começasse a criar pedaços de lei, ou estabelecesse uma nova lei, muito menos ir contra a lei como se a estivesse apenas interpretando. A “expertise” de uma agência não podia deformar a lei.
A expertise técnica não pode tornar-se uma esperteza política.
O abuso gera inconsistência: A FCC mudou pelo menos quatro vezes sua interpretação da lei, no mesmo assunto de Net Neutrality. Que expertise é essa? A expertise não pode levar a resultados disparatados. A química não pode ser alquimia. A medicina é a esperança de vida: não pode ser a expectativa da morte. Como explicar que, diante do mesmo pano de fundo, a FCC inverteu (não apenas alterou, mas inverteu) 4 vezes sua decisão sobre o tema Net Neutrality?
Órgão regulador que se preze executa políticas públicas, mas não origina política. E não devia se subordinar a politicagem.